domingo, 22 de outubro de 2017

Desistir da vida

Saber envelhecer! Esta frase, que esconde um conceito ou um estilo de vida, que se supõe, penso eu, saber passar pelo tempo sem desistirmos de nós prórios, aplica-se como uma luva na minha pessoa.
Quando fiz trinta anos, da minha mãe ouvi, de forma desprendida e objectiva, “Parece que ainda estás nos vintes, meu filho”, quando cheguei aos quarenta, disse-me que parecia que ainda estava nos trintas.
Na semana passada, eu, com quarenta e três anos, encontrei um amigo da minha geração, que já não via há anos. Quando ele chamou por mim, não o reconheci de imediato, parecia-me um estranho com cinquenta e três. Para me lembrar quem ele era, de forma discreta, fiz-lhe uma pergunta-chave, “Então tudo bem? Quem são os teus pais?”. E respondeu-me, “São o Tone e a Nela.”
Identificado o João, trocámos uma palavras e como tudo o que se pensa não se deve dizer, para o animar, sem que ele me tivesser pedido, digo-lhe, “Se não estivesses careca, gordo e cara envelhecida, parecias ter a minha idade!”. De forma fraterna nos despedimos, ele virou-me as costas e eu respondi-lhe, “Até breve!”.
Mas este “saber envelhecer”, não tem haver apenas com um belo aspecto físico, há que aparentar maturidade. Po exemplo, continuo a abrir a porta ás senhoras, a dar-lhes prioridade,..., e nunca ninguém me viu a estender roupa (aparentemente).
Esta actividade exerço-a durante a madrugada entre as três e as cinco horas, inicialmente de segunda a domingo, começando a fazê-lo desde hà sete meses atrás apenas de segunda a quinta, porque num sábado de madrugada ia sendo apanhado a estender toalhas pelo meu vizinho, ainda jovem e que sai ao fim de semana!
E como tenho a ideia que exercer qualquer actividade que termine em “er”, dá muito estilo, tornei-me, primeiro, “Blogger”, depois “You tuber” e desde Agosto sou “Crossfitter”, demonstrando nesta última actividade algum amadorismo, visto que ainda não sou depilado nem tatuado!
Em suma, a vida corria-me bem, sem eu compreender como há gente com depressões e que reagem ao bom e ao mau, sem expressão...até ontem.
Sábado, 21 de Outubro de 2017, Box “Crossfit Vale de Ave”, 12h55m. No intervalo de um execício vejo um amigo (com cinquenta e três anos, mesmo) na recepção e aproximo-me dele, momentos a seguir aproxima-se uma jovem, que estava a fazer a aula comigo, e virada para o meu amigo e apontando para mim, diz:
- Olá pai! Eu não te disse que aqui no ginásio andava um senhor da tua idade.
Deste amigo, que já não via há meses, a última vez que outros amigos me falaram dele foi para dizerem o quanto ele estava acabado!

A aula para mim acabou, tomei banho, vesti-me, almocei sem sentir o sabor da comida, nem prazer na bebida, fui estender duas máquinas de roupa em plena luz do dia, desobedeci duas vezes à minha esposa, sem querer saber das consequências, e este texto foi “postado” como saiu, sem fazer nenhuma revisão,...

domingo, 16 de abril de 2017

Recorde Pascal

Em 1983, com nove anos a caminho dos dez, mantinha a minha colecção de selos, abastecida na correspondência recebida pelo meu avô no seu escritório, e desisti, ao fim de três semanas, da minha colecção de numismática depois de surrupiar todas as moedas diferentes que encontrei na carteira dos meus pais e familiares.
No domingo de Páscoa desse ano acordei cedo, sem despertador e sem os meus pais me chamarem, tão cedo que a emissão da RTP ainda não tinha começado! Acordei com um objectivo a tilintar na minha cabeça, bater o recorde do ano anterior de quinzes beijos na cruz do compasso.
Sim, com nove anos a caminho dos dez, abaixo de mim tinha um primo e o meu irmão, e acima, muitos mais primos, tios e tias, avós e tios-avós e bisavós, parecia que a minha família era a população do planeta e na casa de cada um deles podia beijar o compasso.
Como em todos os domingos, almoçávamos nos meus avós (pais da minha mãe), e desde há duas semanas, que bem cedo, eu e um dos meus primos, instalávamos nas traseiras da casa, uma banca onde vendíamos iogurtes e caramelos a quem passa-se para a missa, sem a concorrência do comércio local, sempre fechado, e das grandes superfícies, que ainda não existiam...sem concorrência praticávamos o preço que queríamos. Lembro-me de termos vendido um caramelo a dois escudos e cinquenta centavos...estávamos transformados em vendilhões do Templo!
Nessa manhã, depois da banca montada, dois extintores ao alto e uma tábua, o meu primo José Alberto expõe os iogurtes e pede-me para ir buscar os três caramelos que tínhamos em stock. Feito desentendido, faço de conta que os vou buscar e quando regresso, exclamo:
- Desapareceram! Assaltaram o nosso armazém.
O nosso armazém era uma beira debaixo das escadas, que dava acesso à cozinha, e os caramelos foram comidos por mim. A sociedade acabou, sendo eu vítima da estratégia comercial em voga na altura, os “stocks” (aos quais eu não resistia), quando eu estava talhado para o “Just in time”.
Esta minha postura comercial, a do “Surrupio”, veio a ser moda poucos anos depois entre os empresários portugueses, com a entrado do país na CEE.
Desfeita a sociedade, corro para a casa da minha avó (mãe do meu pai) onde iria dar o meu primeiro beijo na cruz. O segundo seria dado na casa ao lado, na minha tia Mina, irmã da minha avó (mão da minha mãe), desceria a rua e parava a meio, na casa do Miguel, onde actuava como infiltrado naquela família, e terminaria a rua com o quarto beijo na casa de outra tia. Regressava a casa dos meu avós e aí dava o quinto beijo. A estratégia estava montada de forma que o décimo sexto beijo, e novo recorde, fosse dado na casa dos meus bisavós, pais da minha avó, mãe da minha mãe, em Lousado.
Instalado na sala, ao lado da minha avò (mãe do meu pai), só pensava na menina de quem gostava e pela qual andava a treinar “o beijar”, principalmente com almofadas, mas também com o braço e a maçaneta da porta do meu quarto!
Ouvem-se os sinos e o pelotão pascal irrompe pela casa dizendo “Aleluia, aleluia,...”, dando a cruz a beijar. Eu, com o pensamento na menina, dou um beijo de língua nos pés de Cristo.

Escandalizado (e eu, também), o Senhor Padre não me deixou beijar mais a cruz!

domingo, 1 de janeiro de 2017

Club VIP

1987, o que tem este ano de especial? Nada..menos para mim.
Tinha 14 anos e já sabia há algum tempo que a pilinha não servia só para fazer chichi!

Desde os doze anos que os meus pais já me deixavam sair até uma pastelaria a cerca de cem metros de casa, chamada “Dália”, até ás vinte e três horas, o mais tardar.
Nesta altura da minha vida, as minhas obrigações e interesses passavam por estudar, jogar à bola, estar com os meus amigos e ir de vez em quando (ao fim de semana, sempre) à pastelaria. No final da noite costumava ajudar o Sr António, o empregado, a desmontar a esplanada (isto no Verão) e como recompensa, o Sr José, o dono, dava-me o tabuleiro de bolos, que não se tinham vendido durante o dia, que partilhava com o resto da canalha, minha amiga.
(Se és mais velho do que eu e te lembras de passar ao fim da noite na pastelaria “Dália” e ver uns putos de tabuleiro no colo a comer bolos, eu era um deles e a razão de os estarmos a comer)
Assim foi a minha vida até aos catorze anos, e continuou a ser, com a novidade de ter ido estudar para Santo Tirso e ter começado a sair de vez em quando para a “Pedra do Couto”, uma conhecida discoteca da zona.
Na primeira vez que lá entrei, apercebi-me da existente de um “Clube”, ou seja, uma área privada, à parte do resto da discoteca, mais para uma elite, nem que fosse saloia. E nesse primeiro momento apercebi-me, que a minha camisa de cornucópias, em tons de castanho, muito bonita e fashion (na altura, a sério), era digna de ser passeada nesse espaço restricto.
Como fiz isto acontecer? Fazendo-me de parvo. Característica que persiste, apesar de me esforçar para que não se faça notar.
Subo as escadas e indiferente à presença de quem controlava a entrada e saída de pessoas na porta do “clube”, entro...e sou puxado para fora.
- Não pode entrar! – diz-me o porteiro.
- Não?! – pergunto com cara de espanto e mostro-lhe o meu “cartão jovem”. Não me perguntem para que servia, mas este cartão dava ao adolescente dos anos oitenta um ar de sofisticação.
O porteiro chamava-se Silva e para sorte minha achou-me piada. E eu gostei que ele me achasse piada, porque o Silva era a pessoa certa para conhecer e pela conversa e aspecto era macho, comentando todo o “rabo de saia” que passava pela porta, deixando-me sossegado.
Fino como o Rato, para criar empatia com a minha vítima, entrei no mesmo jogo e fui mais além, comentando de forma babada, mulheres já avózinhas.
O Silva “caíu” como um patinho!
- Podes entrar! – diz-me ele, mesmo não fazendo parte de nenhuma lista VIP.
Com o tempo fui conhecendo as pessoas e quando ia à discoteca já entrava directamente pela porta do “clube”, sem nunca ter detectado nada distintivo entre as pessoas escolhidas para entrar por uma porta e escolhidas para entrar por outra!
Apesar de jovem e de fazer parte de uma “lista VIP”, nunca deixei de ir cumprimentar o Silva, que controlava a porta interior, mas sem joguinhos, comentando só as “jeitosas”.

Tinha a ideia que fazendo parte de uma lista VIP, seria mais fácil “sacar gajinhas”, mas não foi nestes tempos que a minha pilinha deixou de fazer só chichi!