quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Ressaca de um aniversário

Apesar de estarmos a poucos dias de 2017, a dar passos firmes no século 21, e tendo eu nascido no século 20, na década de 70, e curtido o bom e o mau dos anos 80, mantenho hábitos do século 19. Não me interessam as igualdades de género (para mim de sexo), para mim, uma senhora é uma senhora! Continuo a abrir-lhes a porta, a dar-lhes a passagem, a cuidar a linguagem, a oferecer o meu lugar,...e apesar de achar que sou um espécime em vias de extinção, começo a ver jovens, que apesar das modernices de igualdade de género (para mim de sexo), têm igual comportamento. Começava a julgar-me estranho, adjectivo que utilizo para mim, para substituir o adjectivo parolo.
Ontem, dia seguinte ao meu aniversário, numa fila de trânsito, tive o comportamento normalmente estranho (parolo) em mim. Com um pisca-pisca, sinalizo assertivamente a minha mudança de direcção e ouço a buzina do carro que me seguia, dando-me indicação para parar. Estacionei e sou abraçado pelo condutor desse carro...também ele dá o “pisca”, quando conduz. Trocamos os números de telefone!
Por estas coisas e outras, há quem diga que sou uma pessoa à moda antiga, se calhar para não dizerem estranho (ou parolo), e a todas as duzentas e quarenta e quatro pessoas que me felicitaram pelo FB, sete amigos, trinta bons conhecidos, setenta e três conhecidos, cem conhecidos de vista e restantes desconhecidos, pelo meu aniversário, agradeci um a um pelas felicitações.
Algumas boas mentiras diziam, “Não te dava mais de trinta e oito”, e crente e contente, ao telefone, partilhei com a minha mãe:
- Mamã, havia quem não me desse mais de trinta e oito!
- Essa gente está tola meu filho! Se não tivesse sido eu a ter-te, não te dava mais de vinte e oito.
- Tens razão, mamã! No máximo, trinta!
- Estás tolo, meu filho! Vinte e oito.
...
Mas ontem, ao final do dia, depois de ler o título de um estudo, que dizia que elas acham os carecas mais atraentes (e eu que nem entradas tenho), sou atingido por um relâmpago de realismo, sob a forma de mensagem, enviada pelo meu amigo Miguel Paredes:
“Meu caro, parabéns atrasados pelo aniversário. Se eu fosse gaja, diria que cada vez estás melhor, mais elegante, mais charmoso, mais...Como sou gajo, digo que estás velho e mais gordo que uma vaca!!! Um forte abraço!”

Estou velho e acabado! E amanhã, pela manhãzinha, vou ligar à minha mãe!

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

A saga dos quarenta

Apesar de o dia ter nascido luminoso, lá fora fazia frio. Quando o telefone toca, eu estava num dos estados mais idílicos que existem, proporcionado pelo binómio quentinho/fofinho, enfiado debaixo dos cobertores.
Perante o toque irritante do telemóvel (tenho que o mudar) a querer separar esse binómio, estico o braço de debaixo dos lençóis e puxo-o para dentro do “casulo”.
- Estou?! – atendo com a voz sonolenta e melada.
- Parabéns filhinho! Como te sentes na caminhada de quarentão charmoso? – pergunta a minha mãe.
Fui apanhado desprevenido pela pergunta, não pelo lado do charmoso, mas pelo lado do quarentão. Hoje, 26 de Dezembro, faço quarenta e três anos.
Sem saber como me sentia, respondi:
- Sinto-me espectacular!!!
Desligamos e…não foi um sonho!
Passaram quarenta e três anos desde 26 de Dezembro de 1973 e quarenta  e três anos e dois dias desde que a minha mãe foi para o hospital para me ter. Demorei dois dias para nascer, claro, sentia-me quentinho/fofinho!
Ainda sonolento, ouço ao ouvido um anjo com um recado do diabo:
- Quando te levantares e antes de saíres de casa, estende a bacia de roupa que está na lavandaria...e depois estende a que está dentro da máquina.
Saí da cama com o mesmo custo com que saí do ventre da minha mãe!
Enquanto estendo a roupa, que garante a estabilidade marido/mulher, toca o telefone. É a minha tia:
- Olá Zé Augustinho, estás bom? Muitos parabéns, ainda ontem tinhas vinte e já tens quarenta e três! Estás um homem.
Perante a possibilidade de amanhã acordar com sessenta, fui pôr-me bonito!
Enquanto me arranjava, liguei o rádio. Durante as ultimas escovadelas nos dentes, o radialista que estava a passar música naquela estação, faz uma passagem que nem lembra ao diabo, de Beyoncé muda para Paco Bandeira, o gajo que canta “A ternura dos quarenta”.
No final de ouvir a canção e de, inconscientemente, ter prestado atenção à letra, pensei - A canção devia-se chamar, “A Ternura dos Oitenta” – e, despassarado, estava à procura dos meus netos!
A ideia era dar um passeio a pé, mas achei demasiado ternurento depois de ouvir Paco.
 “Faço” o saco e vou para o ginásio…miúdas, música frenética, pesos…altamente jovem!
Depois de equipado, antes de entrar no ginásio, encolho a barriga, como se ainda tivesse quarenta e dois e entro pela porta…passo o olhar pela sala e…quatro homens e música de Natal. Relaxei, a barriga também, e virei-me para os pesos.
Enquanto levantava “ferro”, um pouco acima do normal, aqueles quatro exemplares masculinos olhavam-me com admiração! E esse facto, devolvia-me a confiança abalada com a canção do Paco.
Um deles, ao reconhecer-me, diz para os outros – É o filho do Calheiros! – e vêm ter comigo, perguntando pelo meu pai. Afinal, eram quatro sessentões e um deles pergunta-me:
- Tu és da idade da minha filha, não és?
- Sim, talvez um ano mais velho!
- Tens quarenta e dois?
- Quase, faço quarenta e três!
- Tchiiiiiiii! – exclamam, olhando uns para os outros!
Virei costas e pus-me em frente ao espelho, “Estou igual!”, pensei, “Ou não?!”, voltei a pensar, “Estou, estou!”, convenci-me…e fui embora, achando o ambiente um pouco idoso!
À saída, uma boa amiga, sabendo da efeméride, abraça-me e diz-me:
- Parabéns! Deixa lá, é só um número!
O tom empregue foi o mesmo com que me deram os pêsames, dias antes, com a morte do um familiar…apenas mudava a frase!
- I will survive, Paulinha! – respondi e faço-me à estrada, em corrida, deixando o carro no parque de estacionamento.
Quando chego a casa, respiro fundo e pergunto-me como será a pulsação aos quarenta e três. Meço-a e a máquina batia tão certa como um carro, com pouquíssimos quilómetros, a sair de um stand de usados!
Afinal, eu sentia-me igual ao que era na manhã do dia anterior! Num momento tinha uma idade e no outro tinha outra..nada mudou!

O que pode mudar é a forma com que os outros encararam o meu novo número…pelo sim, pelo não, nesse dia não liguei mais o rádio!

domingo, 25 de dezembro de 2016

A extraordinária Ceia de 1973

Apesar de ter nascido no dia 26 de Dezembro de 1973, eu, dois dias antes, sem ter consciência de mim, comecei a animar de uma forma diferente uma ceia de Natal, quando o meu pai se ia servir pela segunda vez do bacalhau e dei um sinal de alarme à minha mãe:
- É agora! O nosso menino vai nascer! – diz ela
- Outra vez?! – interroga-se um dos meus tios, depois de se ter servido mais do vinho do que do bacalhau.
- Acho que a Tininha não está a falar do Menino Jesus, mas do nosso filho, que trás na barriga! – clarifica o meu pai.
Como quem se serve mais do copo do que do prato fica mais liberto de espírito, o meu tio exclama o que não teve coragem de dizer durante nove meses:
- Pensei que a Tininha estava a ficar gorda!!!
O meu avô, personagem expansiva e apreciador das diferenças, que sempre se animou com a felicidade dos outros, declara:
- Deve ser o Messias...o outro! Aquele pelo qual os Judeus estão à espera!
Meio perdido com a conversa e com uma espinha de bacalhau espetada na garganta, aquele que dois dias depois seria pai pela primeira vez, reclama:
- Messias, não! O meu rapaz vai chamar-se José Augusto.
(Tenho um tio, uma tia e uma prima que ainda me tratam por Gustinho)
- Paizinho, paizinho... – grita, aflita, aquela que dois dias depois seria a minha mãe.
(A melhor)
Aquele que dois dias depois viria a ser avô pela quarta vez levanta-se e dirige-se para o telefone:
- Estou! – e a minha avó a pensou que o meu avô estava a telefonar para a ambulância - Ès tu, António Absolum?
Do outro lado respondem afirmativamente. É o amigo judeu do meu avô.
- O vosso Messias vai nascer! Está aqui em casa, na barriga da minha filha...mas não te preocupes, vamos já para o hospital!
Do outro lado da linha António Absolum diz algo, que faz o meu avô virar-se para o meu pai:
- Ó Gusto! A vossa lua de mel...
(Este jovem que viria a ser meu pai, também é Augusto)
E sem deixar o meu avô terminar a frase, e com os dedos metidos na boca a tentar tirar a espinha, a única coisa que saiu foi:
- Quente! As noites estavam frias, mas a lua de mel foi quente!
O meu avô preferia que o meu pai tivesse cuspido a espinha em vez daquelas palavras, e virado para o telefone.
- A minha filha não vai dar à luz virgem! O vosso Messias também tem que nascer de uma virgem?
O meu tio que se esqueceu de comer e só bebia, olhava admirado para a “pança” da minha mãe e eu, sem consciência de mim, dou mais um sinal vermelho.
- ELE VAI NASCER!!! – berra a minha mãe.
O meu avô regressa à mesa e ao pegar no copo de vinho, a minha avó,
(A melhor)
 firme, ordena – Vamos já para o hospital.
Já na rua, as chaves do carro passavam de mão em mão, não estando ninguém em condições de conduzir. O meu tio a pensar que a minha mãe afinal não estava gorda; o meu pai aflito com a espinha na garganta; o meu avô, fora da realidade, a pensar, “Que ser especial estará para nascer”; as mulheres não tinham carta e a minha avó, virada para o meu primo de dessazeis anos, que só bebeu Spur-Cola nessa noite, diz-lhe:
- Levas tu o carro! – e passa-lhe as chaves para a mão, tendo sido esta a atitude mais sensata.
Chegados ao hospital, o meu tio enquanto aponta para um frasco pendurado numa maca, diz, “Quero beber daquilo!”, e foi colocado a soro; o meu pai foi para “Clínica Geral”, para tirar a espinha, e o médico ao ver a minha mãe, firme e em alta voz, anuncia, “A CRIANÇA VAI NASCER.”

E nasci...dois dias depois, no dia 26 de Dezembro de 1973. O meu avô telefonou ao seu amigo judeu e diz-lhe, “Nasceu-me mais um Messias! É o quarto, tão especial como os outros!”.


E assim deviam ser as crianças, pelo menos para os Seus...Especiais!