domingo, 11 de outubro de 2015

Adélio Dani (20º episódio)

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Nasce um novo dia em Campanhã, Adélio cada dia que passa está mais seguro que o dia nasce também para todo o país.

Dália já saiu para o mercado sem a preocupação do arranjo floral enquanto Adélio está na casa de banho a fazer chichi, para depois voltar para a cama. A meio da manhã acorda e toma um pequeno-almoço vigoroso, para o último dia de colagem de cartazes: um copo de leite e um pão, que seria com manteiga se ela não tivesse acabado no dia anterior.
Nesse dia, a sua acção seria bastante selectiva, estilo sniper, colaria cartazes apenas aonde ainda houvesse cartazes dos adversários à vista. Quanto aos líderes do SP-CPVT, inovaram, e em vez da tradicional campanha de feira, optaram pela campanha de esplanada, sentadinhos e com cervejola na mão…ou copo de leite morninho.
Chega a meia-noite e o fim de campanha. A cúpula do partido e o seu militante tinham combinado reunirem-se na tabacaria do Viriato. Enquanto não estão todos reunidos, os presentes vão fumando e vendo revistas porno e riem-se com algumas posições acrobáticas dignas de “circo”.
O último a chegar é Adélio, que colou a última metade do último cartaz dois segundos depois da meia-noite, sendo apanhado em incumprimento por um dos inspectores de campanha e que perante os regulamentos, Adélio pode sofrer, à sua escolha, uma de três advertências, a saber: Primeira - pagar uma multa ou subornar o inspector; segunda - pagar uma coima ou subornar o inspector; terceira – se tiveres uma irmã boa, apresenta-a ao inspector, se não tiveres, pagas uma multa e uma coima ou subornas o inspector, hoje e amanhã.
Adélio escolheu a terceira opção e tem dezoito anos para a pagar. Torna-se desta forma ainda mais urgente libertar o pai da “colcha rendada espiritual”, juntá-lo com a mãe e esperar que esta prenhe de uma menina!
Adélio chega à tabacaria a correr, às 00:30 horas. Está tudo muito alegre, menos João Inseguro que está a ressacar pela falta de um copo de leite morninho. Viriato, na sua tabacaria só vende bens de consumo para homens. Mais de metade da sua clientela já morreu de cancros diversos e cirrose…a venda de leite está proibida!
- Chegou o homem! Adélio, não percas o lanço e vai depressa à bomba comprar um litro de leite! – Diz Pietra Anda Lebre.
Sem parar, Adélio dá meia volta e corre em direção à bomba de gasolina mais próxima. Pelo caminho pensava: “Como é que vou fazer? Não tenho dinheiro e roubar não roubo!”.
Inexplicavelmente, Adélio cruza-se por um biberão cheio de leite e morninho e grita: – “Que sorte!”.
Dá meia volta e regressa à tabacaria. Quando chega:
 - Depressa, dá-me isso! – Diz Pietra Anda Lebre e enfia o biberão na boca de João Inseguro, que já revirava os olhos.
Após a recuperação de Inseguro, juntam-se à volta de uma mesa. Combinam, sem consenso, quem representaria o partido na mesa de voto no domingo, dia de eleição. Não que não quisessem estar presentes, mas ninguém queria ter que se levantar tão cedo, pois todos tinham “cenas” combinadas para sábado à noite. Jerónimo Setúbal relembra os fundamentos de esquerda, massificadores e com pouco respeito pela individualidade do SP-CPVT e propõe: – Vamos todos para a mesa de voto!
A moer, os restantes concordam!

Chega o domingo, dia de eleições. São sete da manhã. Adélio está a fazer chichi para voltar para a cama e os líderes partidários do SP-CPVT estão a acordar para se apresentarem na mesa de voto colocada na Escola Primária de Campanhã, que abre às 8 horas. Às 07:40 todos os líderes do SP-CPVT estão à porta da escola.
- Preparados, camaradas? – Pergunta Jerónimo Setúbal.
- Hum! – responde Pietra Anda Lebre.
- Eu ainda não tomei o meu leitinho! – Diz João Inseguro, amuadinho.
- Eu vi na televisão que o tempo para hoje vai estar muito bom! – Diz Joaquim Portão.
- E se nós, como verdadeiros defensores da ideologia de esquerda do nosso partido, fôssemos todos a reboque uns dos outros para a praia… que eu quero?!
- Boa ideia! E quem representa o partido? – Pergunta Jerónimo Setúbal.
- O Adélio. Ele é colher para toda a massa do partido.
- Boa, bem visto! – Apoia José Inseguro, e prossegue: – A caminho da praia, podemos parar para tomar o pequeno-almoço?
Põem-se a caminho da casa de Adélio, de onde o carregam e o levam para a mesa de voto e onde lhe explicam que vai representar o partido. Chegam à Escola Primária de Campanhã às 08:30, deixam o Adélio e arrancam para a praia de Moreiró, em Labruge.
Adélio entra na sala onde vai decorrer a votação e reconhece os representantes dos outros partidos. Todos eles são jovens com quem Adélio já se tinha travado de razões durante a campanha eleitoral. Todos eles eram coladores de cartazes…sem cão! Adélio toma o seu lugar na mesa de voto e o tempo passa sem que ninguém entre… e a temperatura a aumentar….O tempo não parava de passar e em vez de entrarem votantes, os outros responsáveis partidários foram abandonando a mesa de voto, para irem para a praia. Às dez horas, Adélio estava só!
Sem boleia para ir à praia e sem nada que fazer, Dália decide ir votar. Na Areosa, Augusto acorda, olha para o lado e dá um berro, assustado com as feições da senhora de meia-idade deitada a seu lado. Com o berro a senhora acorda e Augusto para escapar o mais depressa possível, diz-lhe a primeira coisa que lhe vem à cabeça: – Vou votar, até logo! – Ao que a senhora pergunta: - Logo à noite apareces para me coçar o pézinho?
Sem responder, Augusto sai a pensar: “Tenho que ser mais selectivo…mas esta era a melhorzinha!”
Dália e Augusto, vindos de lados opostos aproximam-se da escola primária de Campanhã. Dália chega primeiro, entra na sala de voto, olha para a mesa e vê o seu filho.
- Adélio! Vieste votar? Podias ter dito, que vinha contigo.
- Não mãezinha querida, vim como representante de um partido, mas toda a gente foi-se embora e agora também sou o Presidente da mesa de voto! – Explica Adélio.
Dália, ao ouvir estas palavras que soaram melhor que mel para os ouvidos, desmaia atropelada por este “veículo pesado” de emoção…é o sonho de mãe de muitos anos que vê concretizado, quando pensava que já não havia salvação, após o esgotamento de Adélio aos cinco anos e meio!
Após o tombo de Dália, Augusto entra na sala de voto e avista Adélio que não vê há anos mas não o reconhece!
- Paiiiiii! – Exclama Adélio quando vê Augusto.
- Adélio???!!!!!! – Pergunta Augusto, com espanto.
- Sim pai, sou eu! A mãe caiu!
Augusto olha para baixo e vê uma mulher desmaiada, que lhe parece a sua mulher Dália.
- Não te preocupes Adélio, vou dar um beijo de príncipe à tua mãe!
- Pai, é melhor fazeres-lhe uma respiração boca a boca! – Propõe Adélio.
- Então faço um “dois em um”!
Augusto baixa-se, e encosta os seus lábios nos lábios de Dália. Ao primeiro toque, Dália abre os olhos, vê Augusto e pensa: “Finalmente vou comer bacalhau!”. Ao ver aquela imagem terna dos progenitores, Adélio debruça-se e abraça os pais, feliz por Dália recuperar a consciência e continuar a ter quem cozinhe lá em casa e pelo pai voltar ao mundo dos vivos, depois de se libertar da “colcha rendada espiritual”!
Ao fim de tantos anos, Adélio finalmente vê a família reunida e solta um berro de felicidade, semelhante ao de um Panda, quando escapa aos caçadores furtivos!

Devido à sua incompetência, Adélio faz uma careira brilhante no partido, tendo chegado a Primeiro-ministro com quinze cursos superiores acumulados, algumas engenharias tiradas ao domingo e outros cursos tirados em três semanas, por equivalências!
Adélio fica bem na vida, assim como seus pais, que ficam ricos depois de deixarem de trabalhar!

                                            FIM

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Adélio Dani (19º episódio)

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Nessa noite, é “noite da mulher” no “BL Show”. São 22h. O padre Rodolfo estaciona a viatura paroquial próximo da danceteria “BL Show” e antes de sair do carro olha-se no espelho retrovisor e apercebe-se que não colocou o foco na orelha esquerda.
Regressa a casa, coloca o seu disfarce e retorna, agora sim, como Alex. São 23h quando entra na danceteria, apinhada de mulheres entradotas e de galanteadores experientes!
Alex busca Augusto com vontade de o desmascarar. Vê-o na pista de dança a bailar “De quem será o pai da criança”, com uma atleta medalhada, paraolímpica, manca das duas pernas, que não parece que manca! Todos os galanteadores do “BL Show” têm vontade de dar uma trinquinha nesta “perolazinha”!
Alex dirige-se como um foguete e em dança até Augusto, agarra-o pelo braço e puxa-o para o mesmo canto da última vez que falaram. A atleta paraolímpica, sem o apoio de Augusto, cai para o lado direito!
- O que se passa Alex…ou padre Rodolfo? – Pergunta Augusto, sem estar a perceber a rudeza de Alex.
- Ouça bem Augusto, estou farto das suas histórias e farto de o seu filho andar enganado a seu respeito! A próxima vez que o encontrar, conto-lhe tudo! – Ameaça Alex!
 - Ai é Alex?… - e Augusto tira o foco da orelha esquerda de Alex, e continua - ou PADRE RODOLFO?
O padre Rodolfo tira o foco que está na mão de Augusto e coloca-o novamente na sua orelha esquerda, e diz – Ó amigo Augusto, estava a brincar! Acha que eu ia contar ao Adéliozinho?! Nem pensar, eu sou sério!
Alex vai embora, não sem antes dizer – O seu filho anda metido na política! – E Augusto regressa à pista, mas o seu par paraolímpico, já está ocupado pelo Sr. Tavares. A esperança de passar a noite no centro de estágios foi-se, mas o seu espírito estava iluminado com o pensamento: “O meu Adélio está a recuperar do esgotamento!”.
Em Campanhã, antes de se deitar, Adélio vai ter com a mãe, que continua à volta do arranjo floral pedido há uns anos por uma cliente!
- Mãe?!
- Sim Adélio, que queres?
- Estou a trabalhar há já uns dias, a colar cartazes e…- antes de terminar e dizer que não era remunerado, é interrompido pela mãe.
- Que bom Adélio, já é uma ajuda e sendo assim, já não preciso de terminar este arranjo! – Diz Dália atirando o arranjo para o chão.
- Mas mãezinha… - e é novamente interrompido pela mãe.
- Não há mas nem meio mas. Vai-te deitar, porque amanhã tens que acordar fresquinho.

Nasce um novo dia em Campanhã, Adélio cada dia que passa está mais seguro que o dia nasce também para todo o país.


(continua)

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Adélio Dani (18º episódio)

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Nesta mesma noite e não muito longe, no salão de jogos de um café havia a reunião dos líderes do novo partido político de esquerda, com liderança repartida por todos os elementos, cinco, que desenhavam a estratégia para as próximas eleições da Junta de freguesia de Campanhã.
Os líderes, João Inseguro, Pietra Anda Lebre, Quico Porcelana, Joaquim Portão e Jerónimo Setúbal, nesta primeira reunião do SP-CPVT (Sou Preguiçoso-Com Pouca Vontade de Trabalhar), acordaram por unanimidade e como verdadeira política de esquerda e igualitária, que todos deviam ser líderes. Quanto aos outros pontos da agenda, todos queriam impor a sua opinião e não havia entendimento…excepto num…teriam de arranjar alguém para colocação dos cartazes para a campanha!

Nasce um novo dia no Porto, Adélio pensa que no resto do país também. Para exercitar o corpo e a mente, Adélio, à porta de casa, vira o corpo para a direita e para a esquerda e repete este movimento quatro vezes, graças à sua excelente preparação física. Antes de sair de casa para ir dar uma volta, como bom filho, chama pela mãe, mesmo sabendo que ela já tinha saído bem cedo para o mercado!
Nesse seu passeio com o seu fiel amigo Rubi, foi avistado pelo quinteto do SP-CPVT, que estava sentado na esplanada da pastelaria “Romrom” a desenvolver trabalho, que entre outros, consistia em “ver quem passa”. João Inseguro, o mais sóbrio, que já tinha pedido um copo de leite, avista Adélio parado no outro lado da rua a ver uma montra de material eletrotécnico.
- Pessoal! – Chama João Inseguro.
- O que é que foi? – Perguntam os outros.
- Qual é o perfil do tipo que queremos para colar os cartazes do nosso partido? – Pergunta João Inseguro
- Eh pá! Sei lá! – Respondem os outros em uníssono.
- Pode ser um tipo de aspecto débil e nabo?! – Volta a perguntar João Inseguro.
- Convém que tenha essas características! – Diz Quico Porcelana - Esses geralmente são nabos e comem pouco.
- Então descobri a nossa massa trabalhadora! Venho já.
João Inseguro levanta-se, atravessa a estrada e vai ao encontro de Adélio Dani. Este continua a contemplar a montra com o Rubi.
- Bom dia! – Diz João Inseguro.
- Bom dia! – Responde Adélio.
- Au, au, au. – Responde Rubi.
- Estava a apreciar a forma como admirava aquele micro chip que está na montra! – Diz João Inseguro – Por acaso não está à procura de trabalho?
- Eu não percebo nada destas coisas, quem gosta de ver esta montra é o meu cão, o Rubi! - Esclarece Adélio – Mas eu posso trabalhar!
- Muito bem! Podes aparecer logo no café do Sousa? – Pergunta João Inseguro.
- Sei aonde é. A que horas?
- Ao fim da tardinha. Até logo.
- Até logo.
João Inseguro regressa para a companhia dos seus camaradas e conta o sucedido, depois de terminar o seu copinho de leite. Adélio Dani continua a comtemplar a montra com o Rubi e a pensar que horas seriam “ao fim da tardinha”!
Para não se atrasar e como o assunto parecia importante, depois do almoço, Adélio já estava no café do Sousa. Umas horas depois, ao final da tarde, aparece o quinteto político.
 - Olá jovem vigoroso! – Diz João Inseguro – Quando falámos de manhã não nos chegámos a apresentar! Eu sou o João, este é o Pietra, este é o Quico, este é o Joaquim e este é o Jerónimo. E tu?
 - Eu sou o Adélio e este é o meu amigo Rubi!
Após as apresentações, o quinteto senta-se. Pedem umas cervejolas e João inseguro um copo de leite morninho.
- Adélio, nós somos líderes partidários e o nosso partido vai candidatar-se à Junta de Freguesia de Campanhã. No nosso staff precisamos de operacionais ágeis e competentes para o desempenho de uma função crucial para o crescimento do partido e para o bem-estar da população! – Declara Quico Porcelana.
- O quê? – Pergunta Adélio Dani.
- Bem, precisamos de alguém para colar cartazes. – Diz Jerónimo Setúbal.
- E quanto pagam? – Pergunta Adélio, inocentemente.
- O quê?! – Diz João Inseguro, sentindo-se afrontado com a pergunta, quase virando o copinho de leite – Hoje de manhã falámos de trabalho! Quem falou de remuneração, hein? Sê sério rapaz, sê sério!
- Não sei se te queremos! – Diz Pietra Anda Lebre.
- Desculpem! Dêem-me mais uma oportunidade! Só mais uma, por favor! – Pedincha Adélio.
- Não sei, não sei! Só se pagares o meu copinho de leite! – Propõe João Inseguro.
- E as nossa cervejas! – Remata Quico Porcelana.
Adélio Dani e Rubi terminam o final de tarde a lavar pratos e a varrer o chão do café do Sousa.

Dois dias depois desta reunião, Adélio inicia o trabalho de colagem dos cartazes, que tem as iniciais do partido, SP-CPVT, o símbolo do like e a frase “Vamos fazer desaparecer a concorrência”. Na execução deste trabalho tem a ajuda do seu amigo Rubi, que segura o balde da cola e segue as indicações dos líderes, colando os cartazes do SP-CPVT por cima dos cartazes dos outros partidos concorrentes, fazendo do SP-CPVT o partido que diz a verdade!
Apesar do SP-CPVT concorrer à Junta de Campanhã, Adélio Dani, distraído, ia colando cartazes sem ter noção da divisão territorial e sem espanto estava a colar um cartaz por cima de outro pertencente a um partido concorrente à Junta de Paranhos, na parede lateral da igreja!

São 19h e a igreja está cheia de fiéis da missa das 18, que ainda não começou por falta do padre…estava atrasado…outra vez. O padre Rodolfo, quando chega vindo de um jogo de poker, ao entrar para a igreja vê alguém na lateral desta e desvia-se para lá.
Conforme se aproxima, vai reconhecendo a pessoa.
- Adélio, és tu? – Pergunta.
- Ó Sr. padre, olá! O que é que faz por aqui? – Pergunta Adélio.
Sem perceber a pergunta, o padre Rodolfo responde. – Então?! Eu sou daqui de Paranhos, dou missa nesta igreja!
- Chiça, estou fora de Campanhã! Desperdicei este cartaz que colei aqui na parede!
O padre Rodolfo afasta-se um pouco da parede, mira, avalia e sentencia – Gosto, deixa estar!
Mais aliviado e pondo as politiquices de lado, Adélio pergunta – Sr. padre, do meu pai, tem novidades?
- Adélio, ainda bem que falas nisso. Pedi ajuda a um amigo, padre também, e numa cerimónia secreta no “PN”, descobrimos que o teu pai não está preso numa cortina espiritual!
- Ai não?!
- Não!
- E então?
- Então, o quê?
- Está preso aonde?
- Ah, sim! O teu pai está preso numa colcha rendada, com folhos a toda a volta, em tons de pérola! É pior do que eu pensava! – Diz o padre Rodolfo.
- Meu Deus! E agora? – Pergunta Adélio.
- Não está nas minhas mãos, nem do meu outro amigo padre! Isto é trabalho para uma bordadeira de Arraiolos! Tenho uma amiga que pode ajudar! – Remata o padre Rodolfo.
Os dois despedem-se. Adélio e Rubi tomam o caminho para Campanhã. O padre Rodolfo acelera o passo com três preocupações: Primeira - Evitar bater o recorde de atraso, segunda - livrar-se desta história Adélio/Augusto e terceira – como perdeu o dinheiro todo no poker, espera que ainda esteja gente na igreja à espera da missa, para fazer um peditório de esmolas para os pobrezinhos.

Nessa noite, é “noite da mulher” no “BL Show”. São 22h. O padre Rodolfo estaciona a viatura paroquial próximo da danceteria “BL Show” e antes de sair do carro olha-se no espelho retrovisor e apercebe-se que não colocou o foco na orelha esquerda.

(continua)

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Adélio Dani (17º episódio)

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Nessa mesma noite, o padre Rodolfo iria sair. É “Special night” no “J.D.” e não entram velhas loiras com mais de setenta anos! Rodolfo sabe que vai encontrar Augusto o “Rebola a Bunda”.
São 21horas, o padre Rodolfo está em frente ao espelho. Já penteou o cabelo e chegou creme à cara, só lhe falta o adereço que o torna irreconhecível: um foco pendurado na orelha esquerda! Eis o Alex!
São 21h45m, Alex chega ao “J.D.” e há grande confusão à entrada! Martim, o porteiro (há mais de cinquenta anos), tem que pedir o “Cartão do Cidadão” às senhoras que na sua maioria estão na fronteira dos setenta anos!
Alex entra, dá uma vista de olhos e não vê Augusto, apenas nove senhoras, que falsificaram o “Cartão do Cidadão”, para poderem participar nestas noites longas e loucas!
Às 22 horas, com a falta de clientela, Martim suspende a selecção e o espaço de diversão nocturna enche num ápice.
A abertura da pista dá-se ao som de “Cinderela” de Carlos Paião e a seguir o DJ Matos, começa a bombar com os “Gipsy Kings”. Entre as músicas “Jobi Jobá” e “Maria Dolores”, chega Augusto o “Rebola a Bunda”, de costas e aos pulos! Todas as mulheres apreciavam o rabo de Augusto…e ele sabia disso!
Próximo do bar da entrada, Augusto avista Carol, uma senhora viúva e de posses, que o tinha convidado para sair. Augusto tinha negado, dizendo que nessa noite não ia sair, por motivos de doença!
Rapidamente vira a cara e segue para o lado oposto da danceteria. Sem saber, estava a ser seguido por Alex.
- Augusto, Augusto! - Chama Alex.
Augusto pára e olha para trás – É você Alex? Como está?
- Bem, obrigado! Tenho que falar consigo! – Diz Alex. – Vamos para aquela mesa.
Os dois vão para uma mesa, num canto onde podem conversar com alguma privacidade.
- Tenho algo para lhe revelar! – Diz Alex. De repente e sem aviso prévio tira o foco da orelha esquerda!
- O quê?! Não posso crer! Padre Rodolfo??!! – Exclama Augusto, torrencialmente espantado!
- Sim Augusto, sou eu! Tal como o Augusto, também gosto de arrastar a perna pelas pistas de dança! Mas tenho que me disfarçar, a igreja não permite e é por isso que uso esta “capa”! – Explica Rodolfo enquanto segura o foco na mão, e prossegue: – Você compreende-me Augusto, também sou um sedutor das pistas de dança!
- Que estranho! – Exclama Augusto – Mas a igreja permite que os padres tenham “sobrinhas” e “afilhadas”…. hi, hi, hi…
- Estranho é o que tenho para lhe dizer! Está preparado?
- Eh pá, não sei! Se for para ir jogar à bola, agora, não! Não trouxe equipamento, e mesmo que tivesse não dava, já não aguento noventa minutos a correr, agora faço treino específico para duas horas de dança seguidas! – Responde Augusto.
- Poça, duas horas a dançar?! Muito bom! E aguenta??
- Não. Por enquanto só vinte minutos! – Esclarece. – Mas é para jogar à bola?
- Antes fosse uma peladinha, Augusto! Andam à tua procura!
- Elas…humm! Mas qual é a novidade? Às vezes tenho que fugir…eu sei que sou perseguido! Não me deixam em paz, mas também são o meu modo de vida! – Diz Augusto enchendo o peito e esvaziando-o lentamente.
- Quem te procura Augusto, é o teu filho, o Adélio! – Diz o padre Rodolfo em tom dramático.
- O meu filho! – Diz Augusto pensativo, enquanto olha para o ar.
Augusto começa a rebobinar o filme da sua vida. Vai-se lembrando dos relacionamentos tidos até aquele momento e parece-lhe impossível! Muitas das mulheres maduras com quem se tinha relacionado, a natureza já lhes havia fechado a torneira da procriação faz tempo e as raras que estavam ainda no limiar do “procrio não procrio” afinal também não contavam porque a fraca ereção de Augusto não lhe permitia consumar o acto devidamente, por causa dos problemas de próstata, embora Augusto sempre se desculpasse com um “Não me atrais. Vestida és uma coisa, tiras o soutien ficas outra!”
O flashback ainda não tinha terminado e quase perdida no baú das recordações aparece-lhe a memória de Dália, sua mulher, de Adélio Dani, seu filho e do Rubi, o cão amigo!
- Caramba, ao fim de tantos anos! O que é que ele quer?! – Pergunta Augusto.
- Foi uma surpresa saber que o “Rei das pistas” tem um filho! Ele pensa que o Augusto está preso no mundo do além, numa espécie de cortina espiritual e pediu-me ajuda para o trazer para o mundo de cá! – Explica o padre Rodolfo, que entretanto coloca o foco luminoso na orelha, antes que seja descoberto.
- O rapaz tem cada uma! Nunca mais foi o mesmo depois do esgotamento que teve aos seis anos! – Diz Augusto.
- Mas o que vos aconteceu no passado? – Pergunta, o agora, Alex.
Augusto recorda o que queria ter enterrado para sempre – Há muitos, muitos anos, depois de o meu filho ter acabado os estudos superiores, deu-lhe um esgotamento, tinha ele seis anos! A partir daí, a nossa vida começou a andar para o lado…
- Para trás. – Interrompe o Alex.
- O quê? – Pergunta Augusto.
- É para trás que se diz, para trás. - Corrige Alex.
- Não, não, a vida começou a andar para o lado. Eu ia para o trabalho de mota com o Tino, mas ele comprou um carro e comecei a ir ao lado dele. Na mesma altura, na traineira, acabaram com os beliches e começamos a dormir ao lado uns dos outros e…esta… custa…participei numa prova de atletismo para veteranos e pensei que tinha ficado em segundo, mas…o photo-finish mostrou que fiquei em primeiro, lado a lado com o outro primeiro!
- Aaahhh, e depois? – Pergunta Alex.
- Um dia decidi ir para mais longe para melhor sustentar a família! Decidi ir para a faina do bacalhau! Na madrugada seguinte tentei acordar o meu filho e a minha mulher para me despedir e eles…e nem um beijo, continuaram a dormir! Não aguentei tamanha indiferença e não embarquei…comecei a viver à custa das mulheres! – Relata Augusto, com o semblante triste.
Alex levanta-se e antes de partir faz um ultimato a Augusto: – Nunca se atreva a fazer-me o mesmo, nunca pense em acordar-me de madrugada! – E vai.
Augusto atarantado com as novidades, levanta-se e vai para o meio da pista onde, alheio ao mulherio, aplica um novo passo de dança: o movimento “broca” ao som de Jean Michel Jarre.

Nesta mesma noite e não muito longe, no salão de jogos de um café havia a reunião dos líderes do novo partido político de esquerda, com liderança repartida por todos os elementos, cinco, que desenhavam a estratégia para as próximas eleições da Junta de freguesia de Campanhã.

(continua)