Nasce um novo dia e bem cedo, Augusto, o chefe de família,
é o primeiro a sair. Ia embarcar numa nova aventura e distante, ia para a pesca
do bacalhau, nos mares do norte.
Enquanto os outros dormem:
- Ó mulher, já vou, dá-me um beijinho.
- Aaahhh, que horas são?
- São seis da manhã!
- Deixa-me dormir! – Responde Dália, virando-se na cama e ficando de costas
para Augusto.
- Nem um beijinho?! Eu vou estar fora três semanas!
- Aaahhh, não te esqueças de fechar a porta! – Diz Dália, mais a dormir do
que acordada.
Augusto sai do seu quarto e vai à arrecadação da casa, onde dorme o seu
filho Adélio.
- Adélio, Adélio, acorda filho. Já vou para a faina, dá-me um abraço!
Adélio acorda completamente estremunhado e assustado. Quando se apercebe de
um vulto no seu quarto, pensa tratar-se do chefe dos escuteiros e diz: – Rubi,
ataca! – E deixa-se cair novamente na cama!
Augusto é corrido da sua própria casa, por Rubi, o fiel amigo e proctetor do
filho.
Ferido no coração, com o tratamento que teve por parte da família, Augusto
em vez de embarcar, foi para a Areosa, onde mora o seu melhor amigo, Zé Kalanga,
um angolano que conheceu ainda nos tempos do ultramar. Toca à campainha, são
sete da manhã e a porta abre-se às dez:
- Zé Kalanga, amigo, a casa deve ser grande. Estou a tocar à campainha há
três horas!
- É pequeninha, é um T0! A campainha está avariada, por acaso ia sair
agora!
- Vais trabalhar, amigo?
- És burro, pá?! Para trabalhar ficava na minha terra, aqui tenho casa e
subsídio! Mas eu conheço-te? – Pergunta Zé Kalanga, intrigado com este
desconhecido.
- Sou eu o Augusto, conhecemos-nos no ultramar e depois aqui. Ainda éramos
jovens, tu tiravas-me as namoradas todas! Lembras-te?
- Fogo! E tu ainda és meu amigo?
- Sou!
- Então, não casaste?
- Casei! Mas aí não fui burro, casei com uma mulher muito feia, que de
bonito só tem o nome, e tu não quiseste nada com ela!
- Eh pá, mas eu não me lembro de ti!
- Estás a brincar Zé Kalanga? Ainda há três dias falamos ao telefone e
deste-me esta morada!
- A sério? – Exclama Zé Kalanga.
Zé Kalanga, já há muito tempo que se sente com algumas falhas de memória,
mas desconhece que tem uma doença rara. Só tem memória dos últimos dois dias! Augusto
tenta relembrar um momento inesquecível que os dois tenham passado juntos.
- Sabes esta moda dos velhos andarem fora de mão nas auto-estradas? Nós
fomos os pioneiros, quando éramos jovens e descemos a circunvalação no mesmo
carrinho de rolamentos, em contramão.
- Fogo, não me lembro!
- Então?! Íamos a descer e enfaixámos-nos numa motorizada que transportava
todo o agregado familiar! Não te lembras? Fomos sete para o hospital e dois
cães para o veterinário!
- Caneco, grande acidente! Éramos tolinhos, Augusto?
- Não, amigo Zé Kalanga, éramos muito burros!
- Aaahhh, então muita coisa não deve ter mudado! Mas o que te traz aqui? –
Pergunta Kalanga.
- O que me traz aqui, nem lembra o diabo!... - E Augusto conta a história da
sua saída para a faina e o desprezo com que foi tratado pelos elementos mais
queridos da sua família. – E não apanhei o barco! Tinha que desabafar com
alguém!
- Tu és um mariquinhas Augusto, tens a certeza que somos amigos?! Eles
estavam com sono. Merecias uma coça por acordar as pessoas às seis da manhã,
para pedir beijinhos!
- Seja como for eu não quero voltar para casa! Posso ficar em tua casa?
- Não! – Responde Kalanga.
- Não?
- Não!
- E então? – Pergunta Augusto.
- E então, nada!
- Nada? – Pergunta Augusto.
- Nada!
- Poça, e agora? – Pergunta Augusto.
- Poça, o quê? – Responde Zé Kalanga com outra pergunta.
- Pensei que éramos amigos!
- Ainda duvido Augusto! Mas tenho solução para ti! Vais ser gigolo!
- Vou ser o quê? – Pergunta Augusto, sem perceber o significado de gigolo.
- Vais sacar gajas e viver à custa delas! Vou-te dizer aonde ficam as
melhores danceterias da zona, aonde param velhas loiras com algum dinheiro e…
(continua)