terça-feira, 28 de julho de 2015

Adélio Dani (2º episódio)

Quando completou uma semana de vida, os pais de Adélio Dani, perante as capacidades intelectuais do bebé, decidem matricular o filho na Faculdade de Economia do Porto.
Nesse dia à tarde, entram na Faculdade e dirigem-se à portaria.
- Boa tarde, eu e a minha senhora, gostávamos de falar com o reitor da Faculdade! – Diz Augusto, de “papo cheio”, para o porteiro.
- Subam a escadaria e dirijam-se à receção. – Indica o senhor da portaria.
Chegados à receção:
- Boa tarde, eu e a minha senhora gostávamos de falar com o reitor da Faculdade! – Diz Augusto, de “papo cheio", para a senhora da receção.
- Dirijam-se ao Conselho Diretivo, ao fundo do corredor. – Indica a senhora da receção.
Chegados ao Conselho Diretivo:
- Boa tarde, eu e a minha senhora gostávamos de falar com o reitor da Faculdade! – Diz Augusto, de “papo cheio”, para a menina que o atendeu.
- Isso tem que ser na receção. A Dona Alzira é que tem que marcar o encontro.
- Mas já estivemos lá e ela disse para virmos aqui! – Diz Augusto.
- Isso é bom! Assim já sabem o caminho para a receção. – Diz a menina com um sorriso rasgado, enquanto Dália pensa: “Pregava-te era com uma faneca nas trombas!”.
Chegados novamente à receção:
- Outra vez! – Exclama dona Alzira, a rececionista.
- Pregava-te com uma lampreia nas trombas! – Resmunga Dália, baixinho com os dentes serrados a tentar manter a calma.
- Pois é, no Conselho Diretivo, disseram-nos para virmos aqui para marcar um encontro com o reitor. – Explica Augusto.
Dona Alzira, a rececionista, “passa-se”:
- É sempre a mesma coisa...tudo para mim. Queria ver como é que esta mer…esta Faculdade funcionava sem mim! Sempre eu, sempre eu! Tudo o que é trabalhinho, sempre, sempre para mim! Sempre a mesma coisa…mais uma caixinha, mais uma caixinha!
Nesse dia de trabalho, dona Alzira tinha feito dois telefonemas, um deles para o marido, e tinha passado o resto do dia a fazer croché! Faz a ligação para o Reitor:
- Tou, Sr. Reitor, está aqui um casal com um bebé, para falarem com o Sr. Doutor!
- Um bebé?! Ui, é meu filho ou afilhado? – Pergunta o Sr. Doutor.
- Só um momento! – Diz a dona Alzira ao Reitor e dirige-se para Augusto e Dália. – A criança é filha do Reitor, ou tem alguma relação de parentesco com ele?
- Não, o filho é do meu Augusto, e aqui, só a senhora conhece o Sr. Reitor! – Responde Dália chateada com a insinuação.
De novo ao telefone:
- Sr. Doutor, a criança não é nada a si. – Diz Alzira.
E do outro lado da linha:
- Então o que é que eles querem? – Pergunta o Reitor.
De novo virada para o casal, Alzira pergunta:
- O que é que querem?
 - Diga ao senhor Reitor, que temos aqui um fenómeno! – Diz Augusto.
E de regresso ao telefone:
- Senhor Doutor, o fenómeno! Eles dizem que têm aqui o fenómeno!
- O CR7 está aí? – Pergunta o Reitor.
- Não! Já lhe disse, aqui está um casal com um bebé! – Diz Alzira, com cara de parva.
- Eles que esperem! Eu desço já! – Disse o Reitor intrigado.
Chegado à receção o reitor pergunta:
- Então dona Alzira, é este o casal?
- É , Sr. Reitor!
- E o fenómeno? – Pergunta o reitor, virado para o casal.
- É isto…o bebé! – Responde Augusto em tom sepulcral, elevando o filho com os braços.
- Não se importa de baixá-lo para eu poder vê-lo? – Pede o reitor.
- Ah, sim, sim. – Responde Augusto, como que voltando à realidade, e baixa o bebé.
- A mim parece-me normalzinho…uma cabeça, duas pernas, duas mãozinhas, uma pilinha…porque é rapaz…normal! – Aprecia o reitor.
- Normal o quê? É o mais bonito de todos! – Responde Dália, chateada.
- E um fenómeno! – Repete Augusto.
- Mas ele é superdotado? – Pergunta o reitor.
- Não, o meu menino é hiperdotado! – Responde Dália, com firmeza.
- Vamos até ao meu gabinete! – Diz o reitor
Todos sobem ao gabinete do Sr. Reitor, de onde ele faz um telefonema para um amigo médico, especializado em pediatria, que tinha tirado uma hiperespecialização em pediatria fenomenal, a quem pede para ir à Faculdade, para analisar o bebé Adélio Dani.

- Hum, hum, hum, hum, sim, sim, sim, nha, nha, nha, ooooohhhhh, este bebé realmente é hiper… - Diz o médico, quando sem ter acabado, é interrompido por Augusto.
- É hiperdotado!
- Não! Mas não fiquem tristes, pois o bebé, tão novinho e já é HIPERtenso e HIPERcondríaco! – Diz o médico.
- Obrigado meu amigo médico, já podes ir. – Diz o reitor ao médico, acompanhando-o à saída e empurrando-o para fora do gabinete. Fecha a porta.
- São 100 €! – Ouve-se do lado de fora.
Voltando para a beira de Dália, Augusto e Adélio Dani, o Reitor mais esclarecido, diz:
- Pois nada garante que ele seja hiperdotado.
- Mas é, Sr. Reitor. O nosso bebé com três minutos de vida já falava! – Diz Augusto.
- Eh pá, realmente isso é fenomenal! – Exclama o Reitor.
 - Pois é, por isso é que viemos aqui. Para matriculá-lo na Faculdade! – Explica Augusto.
- Hi, hi, não pode ser! – Diz o Reitor.
 - Mas ele é mesmo fenomenal, pode vir a ser Presidente! – Diz Dália.
 - Da República? – Diz o Reitor admiradíssimo.
- Não! O meu sonho é que ele seja presidente de uma mesa de voto numas eleições autárquicas! – Diz Dália, com o pensamento no mundo dos sonhos.
- Bem, ele pode ser hiperdotado, mas tenho que lhe fazer uma prova oral! – Diz o reitor.
- À vontade. – Dizem Dália e Augusto.
- Como é que o bebé gosta de ser tratado? – Pergunta o reitor.
- Élio, Adélio! – Responde Augusto, cheio de orgulho.
O reitor pega no bebé e senta-o numa cadeira enquanto ele se senta noutra. Quando se vira para Adélio, ele já estava tombado. Augusto, prontamente pega no filho e:
- Bebé mimado. – Repara o reitor, e continua: – Muito bem Adélio, se realmente queres entrar na Faculdade de Economia, vou fazer-te umas perguntinhas. Se acertares, és matriculado, percebes?
Adélio Dani, sorri!
- Muito bem. Adélio, qual é a tua opinião sobre os princípios da economia política e da tributação, baseada na teoria da distribuição do excedente entre as diversas classes sociais? – Pergunta o reitor, tendo noção que fez uma pergunta difícil.
Adélio Dani, atacado pela fome, porque estava na hora de mamar, desata a berrar. Ao fim de um minuto de berros, o reitor intervém:
- Adélio, chega! Tens razão, eu acho o mesmo. “Os princípios da economia política e da tributação” são de berros! Agora cala-te e vamos à segunda pergunta. Descreve-me a “Teoria das vantagens absolutas”.
Dália estava ao lado do seu filho, e este agarra-se à sua mama para saciar a fome.
- Muito bem Adélio, tens uma semaninha apenas e pensas exatamente como eu. A “Teoria das vantagens absolutas” é para mamões! Sabes mais do que alunos que estão no último ano!
Neste momento a expressão do reitor é de enorme espanto, enquanto os pais sorriem, como se já estivessem à espera daquele desempenho.
- Vou fazer mais uma pergunta, cuja resposta está ao alcance de poucos! – Diz o reitor, e pergunta: - Bebé Adélio, o que achas da relação entre política e economia, nas teorias de Arrighi e Wallerstein?
Mal o reitor termina a pergunta, Adélio acaba de mamar e arrota e de seguida lança um pequeno vómito.
- Hei pá, é isso! O que Arrighi e Wallerstein disseram é um vómito, um arroto de porcaria! – Exclama o reitor.
Sem perder tempo telefona para um colega que lhe estava a preparar um discurso para ser apresentado no “Congresso Ibérico de Economia":
- Tou, Pires, sou eu. Já escreveste a parte do discurso sobre a relação entre política e economia, nas teorias de Arrighi e Wallerstein?
- Mal acabei de por o “ponto final”, tu ligas-te. Queres que te envie por e-mail? - Pergunta o Pires do outro lado da linha.
- Esquece, apaga e refaz essa parte! Vais escrever que “a relação entre política e economia, nas teorias de Arrighi e Wallerstein”, são um arroto, um verdadeiro vómito de leite! – Dita o reitor, desligando de seguida. Vira-se para a família maravilha e continua: – Muito bem meus senhores, vamos tratar da matrícula do vosso Adélio Dani, e certamente vai ter direito a bolsa!
- Ó, ó, ó Sr. Reitor, eu e a minha senhora tentamos acompanhar o evoluir dos tempos, mas não dá para oferecer uma bola de capão ao nosso menino? – Pergunta Augusto.
- Não percebo! – Diz o reitor.
Dália baixa as calças do menino, aponta para a pilinha de Adélio Dani e diz:
- Ó Sr. Reitor, está a ver isto?
- Um pénis! – Diz o reitor sem estar a perceber nada.
- Acha adequado uma bolsa para um menino? Não é melhor uma bola ou até uma fisga?! Mais um bocadinho oferece-lhe uma tatuagem no “Tania’s Tatoo Body”! – Remata Dália.
- Não, não estão a perceber! O que eu quis dizer é que o vosso filho receberá dinheiro para estudar. – Esclarece o reitor.

(continua)

terça-feira, 21 de julho de 2015

Adélio Dani (1º episódio)

Adélio Dani é um jovem de trinta e três anos que sonha ver a família unida, e seus pais sonham que ele seja bem sucedido na vida. Mora com a mãe, Belaflor, carinhosamente chamada de Dália, florista de profissão. O pai, para melhorar a qualidade de vida da família, saiu de casa há dezasseis anos para embarcar numa traineira para ir à pesca do bacalhau…ainda não voltou.
A vizinha da frente, diz que o barco naufragou e ele morreu. Esta possibilidade foi o click para Adélio Dani pensar durante quinze segundos, em seguir a carreira de nadador-salvador. A vizinha do lado diz que tem visto o pai de Adélio Dani, nos últimos dezasseis anos, na freguesia da Areosa, sempre acompanhado de mulheres! Esta segunda possibilidade mantém, em Dália, a esperança secreta de que Augusto regresse a qualquer momento da faina…com o bacalhau!

A noite carregada de cinzento e a chuva persistente fazia o ribeiro que atravessa Campanhã rasgar as margens, quando num barraco, bem próximo, rompem as águas de Dália. Sem nenhum sinal celeste no céu, nem um sequer relâmpago, nesta noite de tempestade a anunciar um nascimento especial, no momento do parto, a mãe berra, bem alto, o nome do seu ídolo de sempre: - “ALAAAAAAIN DELONNNNNN!”. O berro termina quando sai o último pedacinho de bebé do ventre. Em choro é colocado num berço de palha por Rubi, que apanha o recém-nascido pelo cachaço. Durante este momento de ternura entre o cão e o novo membro de família, Augusto, possuído pelos ciúmes, sentimento superior à paternidade, berra com a mulher:
- Sua tola, até no nascimento do nosso filho tu pensas nesse gajo?! – Grita Augusto enquanto rasga a camisa.
- Boa! Não te compro outra! – Diz Dália.
- O quê?! – Augusto olha para si mesmo, e continua – O que é que eu fiz?! A minha melhor camisa! – E voltando a fixar a mulher, muda o tom de voz para berros: – Visto a minha melhor camisa para o pato e…
- Para o parto, para o parto. – Corrige Dália, num tom de paciência.
- Para o parto e tu dizes o nome desse Alain Delon, sua vadia!
- O quê?! Seu pescador de meia tigela… tu deves ter escamas nas orelhas. O que eu disse foi: “ Pelo meu querido filhinho, suporto qualquer dor. Sou uma leoa!” – Esclarece Dália, num tom exaltado.
- Aaahh, leoa! Tu és uma leoa! Enganaste-me bem, para me apanhares no altar… eu era o teu amor, eras do FCP, sabias fazer bainhas…e agora és leoa? Só falta jogar um Alain Delon no Sporting! Sua minhoca! Enganaste-me bem, enganaste!
- Tu é que me enganaste quando te conheci! Dizeres-me que praticavas pesca desportiva no teu barco, e eu a pensar que eras rico, e tu ias era à apanha da sardinha…seu falso!
- Aaahh, falso eu?! Iludida! Tu ouvias o que querias! Eu disse-te, e várias vezes, que praticava pesca da tainha, na traineira do meu primo Angelino!
Rubi, o cão da família, achando que aquele ambiente não era propício para um bébé, apesar de ser um pouco mais colorido do que cá fora, decide intervir e pôr um ponto final na discussão:
- Papá, mamã! – Ladrou Rubi!
Dália e Augusto, pasmados olham para trás, em direção ao berço de madeira onde está deitado o bebé.
- Oi… isto é milagre! O nosso menino falou! – Exclama Dália.
E os dois aproximam-se do berço:
- Mas ele está a dormir! – Diz Augusto.
- Mas falou, não ouviste? – Pergunta Dália.
- Ouvi, ouvi… temos que lhe dar já um nome. Se calhar amanhã vai-nos perguntar como se chama! Tens alguma ideia? – Pergunta Augusto.
A vontade de Dália era de pôr o nome do seu ídolo de sempre, Alain Delon, por quem se apaixonou muito nova, quando no quiosque onde costumava comprar o almanaque trimestral de ponto-cruz, viu-o do lado de lá, pendurado na capa de uma revista, foi amor à primeira vista. Mas isso iria trazer discussões diárias ao seio da família, devido aos ciúmes de Augusto.
- Não, não tenho nenhuma ideia! E tu?
- Sei lá, deixa-me pensar…humm… já sei. Podíamos pôr o nome do meu primo Angelino! – Propõe Augusto.
- Estás louco. Para me lembrar sempre desse chato, não?! – Retorquiu Dália.
- Então podia-se chamar Emília! – Diz Augusto.
De repente, furiosa, Dália agarra a pilinha do bebé e diz:
- Estás a ver esta ferramenta? Isto é macho! – Depois aponta para Augusto – Tu, burro!
- É que eu sempre gostei do nome Emília! Podíamos chamá-lo de João Emília! – Defende-se Augusto.
Dália, por momentos, entra no domínio do delírio e imagina-se feliz com Alain Delon e o filho de ambos. De volta ao mundo real, para ela não muito melhor do que o tempo lá fora, não por não gostar do marido, mas por não ter o seu amor próximo, responde-lhe:
- Esquece, já sei como ele se vai chamar. O nosso menino vai-se chamar Adélio Dani!
Dália acha este nome parecido com Alain Delon. Desta forma evita os ciúmes de Augusto e sente o seu ídolo mais presente.

Nos dias seguintes, apesar das insistências de Dália e Augusto para fazerem conversa com o filho recém-nascido, Adélio Dani apenas chorava, dormia e mamava.

(continua) 

domingo, 12 de julho de 2015

Era uma vez a minha rua

Na minha adolescência, festejei apenas uma vez o S. João…sempre gostei de movimento, mas nunca de confusão!
No final dessa noitada, já de manhã e com o sol a brilhar, na altura da despedida dos amigos, um deles, chamemos-lhe Rocha, diz: – Agora vou pintar as grades das escadas, lá de casa!
Todos viraram costas a caminho das suas camas a pensar “coitado” e eu pensei o mesmo…no entanto, digo-lhe: – Rocha, vou ajudar-te!
Ao chegar à casa do Rocha e ver a extensão das grades, apercebi-me que íamos ter trabalho para todo o dia! Arrependi-me pela segunda vez nas últimas doze horas…a primeira foi a própria noitada… confusa!
Chegado o final do dia, o arrependimento transformou-se em satisfação, por ter ajudado um amigo! Sensibilizado, o Rocha convida-me para morar com ele! Olhei para ele desconfiado, mas rapidamente as más ideias que me estavam a passar pela cabeça foram postas de lado. Afinal o Rocha é mecânico, tem as mãos sujas de óleo e muda calços de travões…é muito macho!
Agradeci-lhe e disse que não, como os ingleses à moeda única, e expliquei-lhe que gostava dele como amigo, mas éramos muito diferentes para vivermos juntos!
Fui para casa, que fica na ponta da Rua Europa, como Portugal, e onde tenho como vizinho o Sr. Henrik, um simpático alemão que se apaixonou por Portugal, há 29 anos atrás!
Mal abro a porta, dirijo-me para o quarto, onde caio esmagado pelo peso do sono! Tinha de descansar…no dia seguinte iria ajudar o Sr. Henrik a cortar madeira, para a sua lareira.
O dia seguinte, depois da cooperação entre mim e o simpático Sr. Henrik, terminou com uma festinha na casa da dona Amélia, que convidou toda a vizinhança!
Houve muita gargalhada e discussão! Achávamos piada a algumas características de uns e outros e dizíamos com franqueza: – Não conseguia viver contigo!
Nessa noite, quando todos foram para suas casas e se deitaram, durante o sono, algo inexplicável aconteceu!
Acordei bem cedo e espreitei à janela. As casas da Rua Europa tinham desaparecido e dei por mim dentro de um palácio!
Olá! – ouço atrás de mim. - É o Sr. Henrik. Depois aparece a dona Amélia, depois outro vizinho, e outro…todos os moradores da Rua Europa estavam naquele palácio!
Sem encontrar explicação e com as casas desaparecidas, achámos boa ideia vivermos naquele casarão…afinal, havia espaço para todos!
Aparece um senhor, o mordomo do palácio, de aspecto austero que nos distribui pelas divisões da casa. Não foram distribuídas de igual forma, o Sr. Henrik teve direito a cinco divisões, a Dona Amélia, a três,…, e a mim coube-me apenas um pequeno quarto, mas limpo, quentinho e confortável. Chegava-me!
A primeira noite no palácio foi cor-de-rosa, estávamos todos juntos no mesmo espaço e sentíamos-nos seguros…apesar de alguns ruídos e hábitos.
Com o passar do tempo, o que no início era aceitável, começou a tornar-se um dor de cabeça!
Eram os roncos do Sr. Henrik durante o sono; era a vaidade da Carolina, que ninguém tirava de frente do espelho da casa de banho, o que impedia o Sr. Augusto dar livre curso às suas constantes descargas intestinais, motivada por uma fluidez fora do habitual; era o cheiro a tabaco espalhado pelo palácio, deixado pelos fumadores inveterados da casa; era a luta na hora das refeições, porque uns comiam mais do que outros… enfim… a discórdia começou a instalar-se no palácio da Rua Europa!
Como bom moço, ia aceitando tudo e todas as diferenças…mas aquele dia!
Nesse dia, o mordomo do palácio, de aspecto austero, entra no meu quarto onde tinha acabado de fazer a cama e alinhado as almofadas decorativas em forma de losango!
- Não pode ser! – diz-me o mordomo – As almofadas têm que estar em forma de triângulo cateto! Assim fiz, sem saber muito bem porquê!
No dia seguinte iria novamente colocar as almofadas em forma de losango e o mordomo, austero, determinar, outra vez, a colocação, desta vez em forma de triângulo obtuso!
Apesar das diferenças entre os moradores do palácio e os diferentes tratamentos, não conseguia mais permitir que o mordomo, de aspecto austero, entrasse no meu pequeno quarto e me impedisse de colocar as almofadas como eu queria!
No dia X, às Y horas abandono o palácio. Na Rua Europa, onde existiam casas com gente, há agora o palácio e se eu olhar para a ponta Este da rua vejo várias casas…de gente pobre ou remediada, que não fazia parte do nosso grupo!
A minha casa, onde eu determinava os hábitos e as regras, tinha desaparecido! Com umas tábuas, que estavam na rua, fiz um barraco ao lado do palácio…não tinha dinheiro!
Vi-me pobre e frustrado, a ter que começar tudo de novo, mas consciente que tenho que levar a vida que posso e não viver a vida dos outros!
Na primeira noite no barraco tive um pesadelo, sonhei com a Integração, quando vivi com toda a gente da Rua Europa na mesma casa! De manhã acordei a pensar o quanto era bom quando cada um vivia em sua casa e nos ajudávamos uns aos outros, em Cooperação!

Quando tiver dinheiro, vou comprar almofadas e decorar a minha cama como eu quero!
Na porta da casa preguei o poema “Cântico Negro”, para não me esquecer…