segunda-feira, 25 de maio de 2015

Sinais do Céu

A idade, por enquanto, não me incomoda. Enquanto houver coisas que me entusiasmem e me façam borbulhar de emoção, que venham os anos, que cá estarei para apanhá-los.
Se na adolescência despertava para os mistérios da Mulher, do cubo mágico e da melhor forma de defender a jogar à bola, aos quarenta, interesso-me pelos mistérios do Céu, de onde eu, e outros, interpretamos os seus sinais...
Somos um grupo de doze astrónomos (para não dizer cabeças no ar), amadores, que olham as estrelas e sempre que observamos três sinais luminosos no céu, mais ou menos alinhados, é a indicação para prepararmos as autorizações lá em casa.
Desde terça feira à noite, que sabia que a malta, toda casada, menos o Jólita que nutre uma paixão não correspondida desde os sete anos pela cunhada de um dos nossos comparsas, estava alinhada para uma saída no próximo sábado, pois nessa noite, cada um em sua casa observou três estrelas alinhadas, desta vez em triângulo equilátero, apesar do brilho de dois dos três vértices do triângulo, ser a luz de dois aviões...mas são pormenores, ainda ninguém me provou que a luz das estrelas é mais importante que a luz dos aviões!
A saída, determinada pelos astros, é a melhor do mundo e conduz-nos à melhor tasca do mundo, “A Canzoda”, que  não fica na melhor terra do mundo, mas junta algumas das melhores pessoas. Sei que para quem não é da Trofa, estas palavras poderão soar a estranho, mas é a verdade!
Após algumas autorizações das esposas e incompreensivelmente o Jólita ter pedido permissão à sua paixão, que segundo ele namora com um “tipo porreiro”, o Zé, telefono no dia seguinte à Dona Natália para marcar mesa para seis. O grupo é maior, mas como nunca conseguimos o “bingo” nas autorizações, contentamos-nos com a “linha” e os jantares realizam-se, com a regra de eu ter que estar sempre presente, já que os outros têm vergonha de telefonar e reservar mesa, o que faz de mim uma pessoa muito importante, apesar de sermos todos conhecidos do estabelecimento há muitos anos!!!
Chegamos sempre aprumados, com pinta de senhores e de muito conteúdo, que se esvazia de forma directamente proporcional à velocidade com que se esvaziam as garrafas. Este fenómeno, em nós, comprova-se pelo empirismo (conhecimento adquirido durante toda a vida, no dia-a-dia, que não tem comprovação científica nenhuma), chegando eu a pensar que há seres unicelulares bem mais interessantes!
O jantar finda sempre da mesma maneira, com dez minutos de conversa na rua, antes de irmos embora.
Desta vez, na despedida, o Jólita diz, com um copo a mais ou embriagado de amores:
- Para a semana temos que cá voltar.
- Porquê?
Ele olha para cima e a apontar, comunica:
- Estão três estrelas alinhadas!

Olhamos para o céu, com ele, e as três estrelas eram três candeeiros dos postes de iluminação. Mas são pormenores...  ainda ninguém me provou que a luz das estrelas é mais importante que a luz da iluminação pública!

domingo, 10 de maio de 2015

Febre de sábado à noite

- Logo vou jantar com a A, com a B, com a C, com a D e com a E. Queres vir? Não queres pois não?
- Não. Vai tu! – respondo.
A pergunta a condicionar a resposta, poderia ser apenas a transmissão do facto, “Logo vou jantar com as minhas amigas e tu não vens.”.
Nos últimos tempos as minhas noitadas de sábado são no máximo até ás sete e meia da tarde, quando prolongo um pouco mais o meu treino no ginásio, mas hoje, só, seria diferente e a noitada seria de arromba, quem sabe até à meia noite!
Depois de jantar vou para o quarto de vestir onde me preparo: cinto camel, da cor dos sapatos com fivela, calças de ganga de modelo bonito, camisa e blazer azul.
Olho-me ao espelho, a cara brota um sorriso e sinto-me em modo “pito”.
- Vou sair. – digo a mim mesmo e de imediato pergunto-me – Mas como é que se sai?
Já passou muito tempo desde os meus tempos de “morcego”... já não sei aonde ir! Tinha que perguntar.
Telefono ao meu amigo Miguel, solteiro, que não me atende, mas mais tarde envia-me uma mensagem a dizer que está numa festa em Santo Tirso. De seguida telefono ao meu amigo Nando, divorciado e a morar em Famalicão...não atendeu e iria telefonar-me no dia seguinte...não o atendi! Deveria querer saber aonde se vai ao domingo à tarde, vou-lhe dizer amanhã, segunda feira!
Saio de casa e ao entrar no carro decido ir a Santo Tirso, ao fundo da minha rua mudo de ideias e, decidido, corto para Famalicão e ao cimo da estrada faço inversão de marcha e retomo a estrada para Santo Tirso.
Chegado à cidade estaciono o carro no sítio do costume, quando lá vou durante o dia, e dirijo-me para o centro, uma zona de bares e esplanadas. O tempo estava agradável e muita gente passeava na rua, novos, velhos, grupos de amigos e casais, alguns a correr num jogging nocturno e outros a passearem os cães. Decidi-me por uma esplanada, dirijo-me ao balcão e peço um café à menina que me atende, que sorriu...e eu sorri e sentia-me...bem...tinha vinte anos outra vez e a aliança no dedo anelar era mais um acessório como o cinto camel!
Paguei e saí...depois de cinco  passos, bem contados, olhei para trás e a miúda estava a atender outra pessoa, de perfil para mim, quase que olhou...a noite era minha!
De regresso à Trofa e com o ponteiro das horas quase a bater as doze, passo no café/bar Malte, que fica a caminho de minha casa e que apenas conheço na dimensão café, quando lá passo durante o dia para tomar...café.
Havia um concerto acústico e pela primeira vez, neste espaço, peço uma cerveja. Encontrei gente conhecida que não encontro durante o dia e que os conheci, há muitos anos, depois das vinte e três horas. Ao balcão e convicto que elas não me queriam ver só de costas olhei para as mesas...as miúdas estavam felizes, bem acompanhadas pelos namorados e amigas!
Num momento em que olhava para as minhas mãos, sinto um chapadão nas costas acompanhado por um viçoso:
- CALHEEEIIIIIROSSS!
Era o meu amigo Mário Velhote, personagem que conheço há mais de vinte anos e já na altura tinha este nome. O Mário é simpático, nas discotecas passava o tempo na pista a dançar (para mim a tentar não cair) e sempre que o encontro, desde o dia que o conheci, está bêbado.
Na conversa possível, entre alguém sóbrio e um amigo bêbado, o Mário diz de forma bem audível para quem quisesse ouvir:
- O Calheiros era o rapaz mais bonito da Trofa!
Com a frase fiquei mais embriagado que o próprio Mário, e como um adolescente numa saída de sábado à noite, digo-lhe:
- Queres curtir comigo?
O Mário, que só gosta de cervejas, vira-me costas e vai-se embora!

Esqueci-me que além de meu amigo, o Mário só é bêbado! Olho para o relógio e é meia noite e quinze.

domingo, 3 de maio de 2015

Anténio Costa

Anténio Costa, nascido António há 41 anos, teria sido Rosa Costa, caso tivesse nascido menina.
Filho do Sr. Costa, um verdadeiro pinga-amor do seu tempo, que ainda hoje relembra, “Nos bailaricos dançava com elas todas...”, não herdou o jeito para dançar do seu progenitor. Quando se aproxima um casamento ou uma outra qualquer festividade, em que seja expectável Anténio dançar, treina uns passos com a mãe e depois evolui para o treino com a vassoura.
Numa dessas festas, no caso um casamento a quem lhe foi prometida uma dança, os treinos em casa começaram nesse mesmo dia, sempre supervisionados pelo pai.
A mãe sempre se esforçava para lhe ensinar convenientemente os melhores passos para o filho arranjar moça, da mesma forma que foi seduzida por um “Paso doble” do Sr. Costa há uma décadas atrás num arraial de Verão. Mas uma observação de Anténio no treino de dança  ia provocando o divórcio dos pais:
- Ó pai! A mãe dança melhor do que você.
- O que é que disseste rapaz?! – pergunta o Sr. Costa, resmungão.
- O que tu ouviste! – Diz a mãe em defesa do seu menino.
O treino de dança terminou ali.
Anténio senta-se e assiste à discussão dos pais, com um sorriso, sem saber porquê!
“Ainda vou acabar em casa sozinho”, pensou, quando pouco antes a mãe pensava, “É desta que ele vai arranjar moça”.
Lembro-me de ouvir, “Fizemos uma casa tão grande a pensar nos filhos e depois nos netos...”, mas esta preocupação dos pais era o que menos preocupava o filho.
No passado, Anténio, ainda António, embeiçado por uma rapariga entra para o coro da sua freguesia onde ela era soprano. Depois de lhe berrar uma área e pensar que tinha estragado tudo, contra tudo o que fazia prever ela convida-o para lancharem no dia seguinte à tarde, estragando tudo!
- Amanhã, não posso! – diz, depois de olhar para a agenda do telemóvel, prosseguindo – Vou jogar volei para a praia com os meus amigos.
- Eu posso ir? – diz a sua paixão em si bemol
- E sabes jogar? – pergunta António em ré maior.
- Não. – responde a pretendida com um acompanhamento de ferrinhos.
Ele, ainda António, nunca mais pôs os pés no coro...não se pode amar alguém que não joga o mesmo desporto.
Chega o dia do casamento e Anténio, que ficou assim conhecido quando ao fazer uma assinatura electrónica num curso on-line alemão o sistema trocou o “ó” por “é”, na hora de abertura da pista está sentado a contemplar algo que não está ali.
- Vamos dançar?...Vamos dançar?...Vamos dançar?
Anténio “desperta” e à sua frente está a rapariga que lhe prometeu uma dança.
- Sabes andar de bicicleta? – pergunta.
Anténio, ainda no tempo em que era António, com o coração dorido, deixou o volei e dedicou-se ao BTT, achando mais fácil encontrar raparigas que gostassem e soubessem andar.
- Não, Anténio, não sei andar. – responde a rapariga, prosseguindo – Só gosto e jogo volei, principalmente de praia. E então! Vamos dançar?
Ao ouvi-la, Anténio quase que cai da cadeira e responde-lhe.
- Não posso, dói-me o coração. – responde.
- O quê? – contra-pergunta a rapariga.
- Torci o tornozelo, não posso dançar.

Ainda hoje não percebo se os “desencontros” de Anténio são acasos da vida ou provocados por ele, mantendo a sua vida pouco mais complicada do que a de um ser unicelular, orientada por duas ou três regras, uma delas, insinuar em casa o que quer comer no dia seguinte, com a certeza de que a sua vontade será satisfeita por uma mãe dedicada!