- Quero uma cerveja!
Foi o pedido daquela figura alta, magra e de óculos
escuros, que mesmo com os olhos escondidos senti que sorriam.
Eu estava sentado ao lado, ambos ao balcão do café.
- O amigo gosta de cerveja! – digo-lhe, como que querendo
descobrir aquela personagem, que nunca vi no café.
- Muito – responde-me.
- Pago-lhe outra. – disse-lhe e de braço em riste
virei-me para quem atendia - Menina, mais duas cervejas.
- Não, não. – reponde-me pronto a pessoa, baixando-me o
braço.
Saca de agenda, já de 2015, e aponta algo no mês de
Novembro.
- Zé, eu sou o Zé! – apresento-me - E o amigo?
- Eu hoje sou o António e volto a sê-lo no dia 30 de
Novembro de 2015. Se por acaso amanhã me encontrar, teremos o mesmo nome!
Amanhã sou o Zé.
Intrigado, quis saber ainda mais sobre aquela figura
caída do céu.
- E então, mora por cá?
- Sim, já há três anos.
Depois de devidamente explicado, fiquei a saber que o
António é meu vizinho. Mora em frente a mim, onde dorme uma vez por ano. Fiquei
a saber, também, que gosta de andar de bicicleta e de jogar futebol…tal como
eu!
- Logo quer vir jogar à bola? Falta-nos um. – convido-o,
como forma de o integrar no meio.
- Aaah, que pena! Gostava, mas já joguei hoje de manhã.
- Aaah! Então conhece gente aqui! – constato, com alguma
alegria.
- Sim, sim, e costumo estar com eles…no dia 30 de
Novembro de todos os anos, da parte da manhã, para jogar à bola, e no primeiro
sábado de Setembro, para um passeio de bicicleta, que dura o dia todo…até me
farto de os ver!
- E como é que eles te conhecem?
- Na bola, por António, no passeio de bicicleta, por
Fredo.
Num instante a expressão serena de (neste dia) António,
esfria.
- Passa-se alguma coisa, amigo? – pergunto.
- Aquele ali! - com o dedo a apontar para o exterior do
café, onde passava o tipo dos seguros, e prosseguiu – Encontrei hoje uma carta,
colocada por baixo da minha porta a informar que vou estar isento do pagamento
anual do seguro do carro, por dois anos…não tenho acidentes, dizem que é um
bónus! Pudera, eu só pego no carro uma vez por ano. Tinha uma vida preenchida,
com acontecimentos anuais todos os dias, agora fico sem ter o que fazer no dia
29 de Agosto!
- Mas o que faz nesse dia, António? – pergunto.
- Para começar, nesse dia sou o Mendes. Pagava o seguro!
Neste momento senti o António perdido.
- Ó António, só se quiser combinar para esse dia uma
cervejinha…aqui no café!
- Não pode ser, já venho aqui neste dia. Pode ser um
pingo, no café ao lado?
- Está combinado!
- E nesse dia sou o Mendes. Não se esqueça!
A conversa foi-se desbobinando, estranhamente, de forma
natural e nesta figura de hábitos peculiares invejei o facto de a sua mulher
fazer-lhe todas as noite bacalhau.
- E não se enjoa?
- Não! - respondeu-me. – conheci-a no dia 1 de Dezembro
de 2011, da parte da manhã e namoramos da parte da parte e logo aí combinamos
casamento para o ano seguinte. Foi no dia…
- …1 de Dezembro de 2012! – completei.
- Esteve lá?
- Não! Foi um palpite. Continue.
- E desde que casei, sempre que estou com ela faz-me
bacalhau. Já comi duas vezes…amanhã é a terceira! – e sorri. - Estou ansioso
por estar com ela. Viram-na e disseram-me que ela está grávida de quatro
meses…vou ser pai!
- Parabéns! – disse-lhe, sem estar convicto das minhas
palavras.
Despedimos-nos e no telemóvel registei o dia 29 de Agosto.