Se a maior
parte das estórias que ouvia em pequeno, começavam por “Era uma vez…”,as minhas
crónicas, ou sejam lá o que for, começam muitas vezes por “Acordei com o sol a
entrar pela janela…”.
Sendo
assim, esta manhã fui acordado com o sol a entrar pela janela. Quando me
apercebi de que não estava no domínio do sonho, pinchei da cama para sair para
a rua, pois à tarde poderia perfeitamente nevar, chover torrencialmente,
trovejar ou acontecer o maior ciclone alguma vez sentido no Paranho.
Na caminhada
até à esplanada do café, ao sentir os raios de sol, estava longe de imaginar
que iria viver um pesadelo.
Sentei-me,
pedi um café e abri o livro que levei comigo (e escrito por mim), não que o quisesse
ler, mas para torná-lo visível.
Tinha o
“Venceslau e outras histórias” aberto na página 47 e a cabeça a começar a
tombar, tomada pela sonolência, quando ouço, de forma estridente,
perguntarem-me:
- Queres
jogar matraquilhos?
Abro os
olhos, o livro mantém-se aberto na mesma página, e em frente a mim está sentado
um “tipo”, que nunca tinha visto. Apesar das minhas tardes de domingo, quando
era pré-adolescente, serem passadas na “matraquilhada”, respondi:
- Não!
Imediatamente,
ele desapareceu.
A esplanada
estava composta, mas sem nenhum espécime feminino que me mantivesse de olhos
abertos, e eles começam novamente a fechar, quando sou sobressaltado com um
berro:
- ESTOU A
SENTIR-ME ENTUSIASMADA! – diz a Maria, enquanto atravessa a esplanada.
O Sr.
Mendes, sentado duas mesas ao lado da minha, grita-lhe:
- Ainda bem!
Depois
disto a normalidade voltou aquele espaço, mas por pouco tempo. Os meus olhos
ainda não estavam totalmente fechados e ouço, em gritaria, a Carla dizer, do
canto da esplanada:
- SOU MUITO
FELIZ! E QUEM É FELIZ NÃO TEM QUE ANUNCIAR AO MUNDO!
Entre as
várias pessoas sentadas na esplanada, ouve-se:
- Boa!
- Porreiro!
- Gosto!
- Estou
contigo!
- Gosto!
- Gosto!
- …
Sem estar a
perceber este espectáculo, ouço:
- Queres
jogar matraquilhos?
Poça, era o
mesmo gajo, com o mesmo convite.
- Não! –
respondo de forma seca.
Mantenho-me
desperto à espera que a normalidade se reponha. Ao fim de algum tempo, com
segurança deixo-me adormecer na cadeira da esplanada, com o livro aberto. Ao
fim de não sei quanto tempo sinto as minhas mão a abanar. Acordo, a
babar-me, e a minha amiga Teresa estava
a escrever, com marcador, na página 47 do livro, “gosto”!
- Oh,
estragaste-me o livro! – digo.
- Estraguei
nada! Até logo! – despede-se.
Continuo
sentado a olhar para todos os lados e a começar a ficar assustado, e:
- Queres
jogar matraquilhos? – diz-me o mesmo gajo.
-
Desaparece! – ordeno-lhe.
Enquanto
desaparecia, a olhar para trás, volta-me a perguntar – E bilhar? Queres jogar
bilhar?
Não
percebia a insistência daquele gajo, em jogar qualquer coisa comigo!
Bem,
apercebi-me que não iria conseguir relaxar (dormitar) na esplanada e para me
manter activo, desfolho uma página do livro. Ajeito-me na cadeira para ficar em
posição de “galo” e vejo a Ana, ao estacionar o carro, a bater no carro da
frente e no detrás. Despreocupada com os outros condutores, sai do carro,
aproxima-se da esplanada e berra:
- OHHHH,
QUE CHATICE! E A MANHÃ QUE ESTAVA A CORRER TÃO BEM! LOL, LOL, LOL, LOL…
E todos se
riam na esplanada, com o comentário da Ana, e por trás de mim ouço alguém a
dizer-me ao ouvido:
- Queres
jogar bilhar?
Desvairado,
levanto-me e agarro o gajo pelos colarinhos e ameaço-o:
- Se me
voltas a convidar para jogar seja ao que for, parto-te todo. Percebes?
- E
matraquilhos? – pergunta-me e foge a sete pés.
Pego no meu
livro, caído no chão, volto a sentar-me e abro-o à toa. Ficou aberto entre as
páginas 98 e 99 e ao tentar disfarçar que o lia, quase que adormecia outra vez,
até que…
- HEI,
MALTA – era o João, que tinha chegado a correr – APANHEI O MEU CÃO A ROÇAR-SE
NUM LIMOEIRO!
O Neves,
sentado no meio da esplanada, ri-se, vai para o carro e percorre as ruas da
Trofa com a cabeça de fora, gritando e partilhando com todos:
- O JOÃO APANHOU
O CÃO DELE A ROÇAR-SE NUM LIMOEIRO! O JOÃO APANHOU O CÃO DELE A ROÇAR-SE NUM
LIMOEIRO! O JOÃO APANHOU O CÃO DELE A ROÇAR-SE NUM LIMOEIRO!...
Sentido-me
num manicómio, em que o que mais me chateou foi o gajo a convidar-me para jogar
matraquilhos e bilhar, fui para casa, dormir…na esperança de sonhar com um
mundo normal!
P.S. – Durante
algum tempo, este blogue vai hibernar, com a promessa de um regresso!