Estava sentado quatro cadeiras
ao lado da filha. Apesar de mal a conhecer e de totalmente desconhecer o pai
defunto, entrei na capela mortuária com a expressão sóbria a condizer com a
ocasião. Todas as pessoas estavam sentadas, alinhadas em “U”, à volta do
caixão, um nariz familiar, o da minha sogra, alguns arranjos de flores, o
caixão entre duas colunas com velas acesas e arranjos florais por baixo e ao
lado do caixão, uma ou outra conversa em tom arrastado para não descompor a
ocasião…até que toca um telemóvel e algumas pessoas acordaram…com esperança,
apesar de não conhecer o defunto, pessoa já idosa, olhei para o caixão!
Este dia, sábado, prometia ser
igual aos outros, felizmente, e com um pormenor de classe, não chovia!
A manhã, passada em algumas
tarefas domésticas, provocavam um sorriso à minha mulher, que com orgulho
olhava para mim e dizia, “És um querido!”, enquanto eu olhava para ela e respondia com um sorriso a
pensar, “Logo no fim do futebol, vou à tasca com os suspeitos do costume…a
malta da bola.”.
Já de noite, acabada a bola e
instalados na “Canzoada”, estava eu na transição do primeiro para o segundo
prato e a encher o sétimo copo, toca o telefone. Abano a cabeça e…”Fogoooo”,
pouso o prato, dou um gole no copo de vinho e, “Não atendo.”, pensei. Para
saber com quem eu não ia falar olho para o telemóvel e é a Cristina, a minha mulher!
- Olá Morzinho! – atendi –
Tudo bem?
- Faleceu o pai da Maria.
Fiquei a pensar quem era.
- Que Maria? – perguntei.
Após uma breve explicação, a
Maria é uma conhecida da Cristina, que me foi apresentada há muito tempo e
depois disso voltei a vê-la mais uma vez.
- O funeral é amanhã. Vamos?
- Vamos. A que horas é? –
pergunto.
- Às onze.
- Não posso. Tu sabes que
tenho futebolada (com outros “suspeitos do costume”) a essa hora!
- Então vamos daqui a pouco ao
velório?
- É isso,vai ao velório, fazes
bem! – incentivo.
- Não…VAMOS, os dois.
- É isso Morzinho, vai!
…
Detesto, quando estragam o meu
sábado ordinário!
Enquanto “comia” caminho, por
entre montes, em direcção à casa mortuária de Rindo, tinha que transformar a
minha sentida expressão de zangado. Muito facilmente cheguei ao local de
velório, com uma expressão de extremo pesar, lembrando-me da época passada do
meu clube, o Sporting!
Deixo a Cristina entrar à frente
e cumprimento quem ela cumprimente e dou os pesares a quem ela os dá…e
sento-me.
Após uma breve observação pela
sala, respiro fundo e deixo-me “afundar” na cadeira. Sem me aperceber, para um
senhor em frente a mim:
- Os meus pêsames!
- O quê? – pergunto sem
perceber.
- É neto do Antunes? –
pergunta-me o senhor.
- Não, nem o conhecia! –
respondo, ficando a saber o nome do falecido.
A minha expressão de extremo
pesar confundiu aquele senhor e de imediato parei de pensar no Sporting! Decidi
manter uma expressão normal, pensando em…nada!
Desvio o meu olhar para a
filha que recebia o consolo de uma senhora, certamente conhecida, com quem
mantinha conversa!
- É dura a morte!
- É, é dura! – responde a
filha.
- E a tua mãe, não conseguiu
vir?
- Não, amanhã tem que se
levantar cedo para fazer uma coisas antes do funeral!
- E está a sofrer muito? –
insiste a senhora no seu consolo piedoso.
- Não! O meu pai sempre foi
muito mau para ela, batia-lhe…
- Mas era bom pai? –
interrompe a senhora sem deixar a Maria terminar a sua frase, tentando
descobrir algo de bom naquele homem.
- Também não! Basicamente só
nos teve! Nunca foi bom pai!
(“Foste um maroto, Antunes!”,
pensei, olhando para o caixão)
- Mas ajudava lá em casa?! –
insistia a senhora.
- Sim! Se fazer “nada” for
ajudar! E ainda por cima agora estava acamado e a minha mãe já não tinha idade
nem saúde para cuidar dele…
(Abstraí-me da conversa e
olhei novamente para o Antunes, sentindo um verdadeiro pesar por ele)
- Vamos embora? – pergunta-me
a Cristina.
- Sim, vamos!
Levantei-me, dei três passos
até à Maria e:
- Parabéns!
- Obrigada!- respondeu-me.