domingo, 26 de janeiro de 2014

Terráqueo! Eu?!

Já ouvi um pouco de tudo, desde a Ciência e a Religião serem antagónicas, passando pelos cientistas crentes em Deus até à Religião e Ciência se complementarem. E neste último caso, é facto que muitos historiadores e arqueólogos se basearam na Bíblia para descobrirem ou identificarem lugares julgados perdidos.
Apesar de me achar um ser evoluído e utilizador da razão,o que me dá um toque moderno e sofisticado permitindo-me deambular entre teorias, e nestas alturas peço a Deus para ninguém me interromper porque não as sei explicar, quero crer, porque me interessa, que a Bíblia tem razão ao identificar vida apenas no nosso planeta, apesar de não entender porque Deus fez o Homem à sua imagem, quando pelo que se vê, podia tê-lo feito um pouco melhor...

Esta minha crença de vida apenas no nosso planeta tem a ver com vergonha e status, da mesma forma, que certamente um habitante de Mogege tem vergonha em dizer onde mora. Não é muito bonito dizer, numa intervenção inter-planetária, “Eu sou um Terráqueo”. Já estou a imaginar o sorrisinho dos Venusianos e Uranianos, habitantes de planetas com estilo, equivalente ou melhor do que ser um Terráqueo a morar no Parque das nações!
Um dia que me apareça um ser extraterrestre e me pedir o cartão do cidadão, ele vai verificar que sou naturalmente Terráqueo e Terráqueo de residência…que parolice!
Se ao menos houvesse maternidades na Lua e a minha mãe lá tivesse o parto, poderia dizer que sou naturalmente Lunático e Terráqueo por obrigação. Como vêem, tenho vergonha de ser Terráqueo e se fosse rico e pudesse escolher, vivia em Neptuno e escondiria a minha origem saloia, diria apenas, “Sou Neptuniano e Sportinguista!”.

Estava uma destas noites em casa (casado e com quarenta, é onde estamos quase sempre) a olhar cá para fora e a ver a chuva a cair, quando vejo uma luz, a piscar, a atravessar o céu....que susto…afinal era um avião! E com o susto “tombei” num sono que me trouxe um sonho!

“Saturday night, vinte aninhos, estava eu na Gravity Disco Sound, de Marte, local onde não me sentia muito mal, porque os marcianos são tão parolos quanto eu, e é com eles que, nós terráquios, disputamos o derby mais quentinho desse desporto chamado futebol, a cair em desuso no Universo!
Enquanto dava uns “goles” numa bebida espirituosa, cuja fórmula química é segredo do barman que já trabalhou no Via Láctea Swing  Stereo Sound, de Plutão, e batia o pé ao som de uma nova banda de música de discoteca, os “BeeXees” de Saturno, uma miúda, pelo menos parecia-me, vem ter comigo e diz-me:
- Olá!
Pelo aspecto não é terráquia e pelo sotaque não me pareceu marciana.
- Olá! – respondo com outro cumprimento.
- És bem feiinho! – diz-me, insinuando-se.
Apesar de, certamente, não o ser como terráqueo, naquele espaço nocturno, de onde vinham seres de todo o Sistema Solar, de aspectos muito diferentes, como aquele ser com quem conversava, não sei de que planeta, tínhamos algo em comum, tínhamos dois olhos na cara!
- Há quem ache o contrário. – respondo.
- Já agora eu sou a XW, vim com a minha prima OW, e somos de Júpiter. E Tu?
- Eu sou o Zéquinha! – respondo.
- Que nome! – diz a XW, prosseguindo – E aonde moras?
- Na Trofa.
- Aonde fica? – insiste a XW.
- Em Portugal.
- Sim, mas onde?
- Na Europa.
- Não estás a perceber Zéquinha! De que planeta vens?
A XW fez a pergunta à qual tento escapar e que feita de forma tão directa obriga-me a mentir.
- Sou Neptuniano, moro em Neptuno! – menti.
- Uau, que chique, Neptuno! Sabeis cuidar do que è vosso e tendes o planeta sempre limpinho! – diz XW, entusiasmada.
A noite prosseguiu animada, baseada numa mentira!
À hora de ir embora despeço-me e vou para o terminal do Desmetropolitano Inter-galáctico. Sem saber, fui seguido pela XW que queria ver partir por quem se apaixonou. Estranhou ao não me ver entrar no Desmetropolitano para Neptuno e desiludiu-se quando entrei no Desmetropolitano com destino para a Terra via Lua!

Oh, afinal é um Terráqueo, que bimbo!”

domingo, 19 de janeiro de 2014

Transformers.

Cristiano Ronaldo, o melhor jogador do mundo. Esta afirmação pode ser discutível.
Indiscutível, é o melhor jogo de futebol do mundo. Poderá haver um ou outro que dirá, “O melhor foi o jogo de Portugal contra a Coreia, em 1966!” ou um sportinguista, como eu, revivalista, poderá dizer, “Foi o jogo em que o Sporting ganhou a Taça das Taças!”, com o famoso “cantinho do Morais”, mas o melhor jogo de futebol do mundo, repete-se sábado após sábado, às cinco da tarde nas coordenadas 41° 20.088', -8° 33.808´, correspondentes ao pavilhão do Liceu da Trofa, Porto, Portugal, Planeta Terra.
Permito-me esta precisão, não vá haver vida além Terra, e um qualquer extraterrestre confundir o pavilhão do Liceu da minha cidade, com uma Trofa em Marte!
E é o melhor, não só pelos cinco a dez minutos de futebol bem praticado (que correspondem, curiosamente aos momentos em que tenho a bola nos pezinhos), no espaço de uma hora, mas também pelo fenómeno transformista que se verifica naquele grupo de dez amigos, ao estilo de super-heróis, mas ao contrário! Se Clark Kent, quando tira o fato, traz paz ao mundo como super-homem, já nós…!

Se antes do pontapé de saída, o mítico Gabriel Alves, fizesse a apresentação das equipas, seria: “Mário, simples e bom rapaz; Dário, tão calmo que mete impressão a um mestre de Ioga; Joquinha, brincalhão e gordo; Nando, o homem para quem está tudo bem; Jálita, o teórico; Beta, o professor de educação física, sem jeito nenhum para o desporto; Pedro, assertivo e educado; Mindo, prático e sério; João, rígido de princípios e usa o mesmo corte de cabelo desde os sete anos e Calheiros, uma jóia de rapaz;… As equipas estão alinhadas cada uma na sua metade do campo eeeeeeeee começa o jogo!”

É até aqui, altura em que começa o jogo, que tudo está bem. Mas invariavelmente há sempre um vencedor, raramente há empates, e é nos elementos da equipa que perde que geralmente se assiste a uma transformação de personalidade, que ao contrário de Clark Kent, não é para salvar uma velhinha em apuros!
No jogo de ontem, como poderia ser noutro qualquer, se estivessem alguns eleitores e cientistas de várias áreas a assistir, iriam fazer descobertas espantosas!
Logo a começar pelos Mários, bons rapazes, que se vão transformando em seres primitivos, tanto no comportamento como fisicamente. Começam o jogo com a cara limpa e terminam a espumar e de barba. Um antropólogo descobriria nestes seres, o elo perdido entre os hominídeos e os Australopitecos! Já nos Nandos, os pacíficos, um psiquiatra descobriria a doença tripolar ou quadripolar, tantas são as variações de personalidade apresentadas numa horinha apenas, chegando eu, como adversário, a pensar que o Nando está sempre a ser substituído! Já um estudioso de Ciências Políticas focaria a sua atenção nos Dários, os calmos, mas que durante o jogo, usam manhas discretas, ou não, para atingir os seus fins, transformando-se em “falsos”. Já os Joquinhas, os brincalhões, seriam a delícia dos matemáticos que veriam neles a propriedade comutativa da adição, em que se pode alterar a ordem das parcelas, sem que o resultado se altere, nem aquecem nem arrefecem. Nos tempos de escola só jogavam quando levavam a bola . Já os…
Quanto aos eleitores, entre os Mindos, Joões e Calheiros, prefeririam o último, que se assemelha a uma bandeirinha ou autocolante de campanha, porque o que quer é ganhar!

Este grupo de amigos, que muito amiúde, não consegue fazer as pazes no balneário, e ainda bem porque a simples ideia me assusta, vão à sua tasca de eleição, “A Canzoada”, beber o “copo da paz”, e regressar àquilo que verdadeiramente são…ou não!

domingo, 12 de janeiro de 2014

Sê interessante! Indigna-te!

Luís Vaz, um jovem adulto a rondar os quarenta anos, lembra-se perfeitamente de alguns episódios da pré-adolescência e adolescência, com um sorriso. Lembra-se da admiração que ele e os amiguinhos tinham por outro amigo, o Pedro Álvares, que quando se cruzava com uma miúda, como que por milagre engrossava a voz como se já tivesse vinte anos, quando ainda só tinham doze e com a voz aguda e melada, dizia: – Olá!
De seguida, para os amigos, recuperava a voz fina e estridente e comentava: – Esta é que é boa!
Além do engrossamento de voz, outra característica que fazia a geração de Luís Vaz parecer interessante aos olhos das meninas, era ter os pais divorciados ou ter problemas com eles, e o píncaro do “puto” interessante era juntar um amigo drogado aos restantes problemas familiares.
Mas como diz o ditado, e com razão, “És mais velho, és interessante de outra forma!”, e se Luís Vaz quiser ser interessante, tem de…

Luís Vaz ia a caminhar pelo passeio, enquanto seus olhos admiravam o lado rural que a cidade ainda mantinha, e a sua cabeça entretinha-se a juntar letras e palavras. Este estado, muito natural em Luís Vaz, é interrompido por berros a uma só voz e buzinadelas insistentes com o mesmo tom!
Todo esse ruído vinha do único carro que fazia a avenida, com o seu condutor em fúria, espumando frases de indignação, pelo facto de ele achar que o Eusébio deveria ir para o Panteão Nacional!
Ao reconhecer a “figura”, Luís Vaz faz sinal de paragem e cumprimenta o seu amigo. Para o sossegar, comenta-lhe:
- Não te preocupes, Viriato, estão todos os partidos do arco do poder de acordo, é provável que ele vá para lá! Eu até acho que ele deveria ter sepultura no estádio da Luz!
- Então estás indignado?
- Não! – responde.
Viriato enlouquece novamente e arranca intempestivamente aos berros e com buzinadelas.
Um pouco abalado, Luís Vaz para no primeiro café por onde passa, para tomar um e tentar recompor-se. Já sentado, vem a empregada, de sorriso cintilante e pergunta:
- O que deseja?
Não tendo coragem para dizer que a desejava, pede o que lhe levou lá.
- Bom dia! Quero um café.
- O QUÊ?!!! SEU CAPITALISTA NEO-LIBERAL E FASCISTA! “EU QUERO”, DIZES TU! SEU DESRESPEITADOR DA CLASSE OPERÁRIA!!!
Das mesas do lado, Luís Vaz, ouvia comentários das outras pessoas, do estilo, “Miúda interessante, está aqui para servir mas não perde a dignidade!”.
Sem saber como reagir Luís Vaz arrisca:
- Não se importa no exercício da sua função remunerada tirar-me um cafézinho?
A empregada, neste momento transformada em diabo indignado, mira-o por longos instantes e vai tirar o café.
Depois de servido apetecia-lhe uma bola de Berlim, que o “namorava” do expositor. Mas, na sua mente, sem encontrar palavras de sentido “uniquíssimo”, nem um modo que não desse azo a outras interpretações, decide virar costas ao bolo.
Com o desejo a consumi-lo, vai a uma grande superfície comprar um “pack” de quatro bolas de Berlim, sem correr riscos de ter de as pedir. Já na caixa, sem nada dizer, para não correr riscos, apresenta o produto à espera que a funcionária da caixa, de sorriso cintilante, lhe diga o preço. Em vez da conta, ouve de forma indignada:
- SEU PORCO MALCRIADO E FASCISTA,…”
Das pessoas atrás da fila, ouvia, “Sim senhora! Está aqui para servir mas não perde a dignidade!”.
Luís Vaz, atarantado, deixa dez euros na “caixa” e não espera pelo troco, tamanha era a vontade que tinha de sair depressa dali. Já no exterior da grande superfície, respira fundo. Quando desperta novamente para o que o rodeia, ouve barulho de gente que protestava indignada contra a fome em África e ao mesmo tempo fazia um peditório, patrocinado por ONG’s.
No meio desta balbúrdia, a pedir para combater a miséria de África, transformada em festa ruidosa, a atenção de Luís Vaz recai para um canto, onde está a Dona Ermelinda, senhora pobre, de cada vez mais parca reforma, que em idosa teve que se sujeitar à humilhação da mendicidade. Luís Vaz aproxima-se e partilha as bolas de Berlim com a dona Ermelinda. Ao serem avistados, possessas, as pessoas indignadamente interessantes da manifestação/peditório, vociferam-lhe:
- SEU VERME SEM PONTA DE INDIGNAÇÃO! SEU FASCISTA AMORAL! FAZ ALGUMA COISA PARA ACABAR COM A FOME NO MUNDO!
Luís Vaz “afasta-se”, sem perceber a lógica destes tempos!

…estar em constante estado de indignação!

domingo, 5 de janeiro de 2014

Massificação.

Tinha o sonho de ser um comando, daqueles que destroem exércitos inteiros…até ir para aquela escola! Nessa escola fiz dois amigos para a vida inteira, o António, que queria ser palhaço, e o Joaquim, que queria ser girafa no Jardim Zoológico (apesar  da baixa estatura, ele tinha muito jeito para imitar as girafas).
No primeiro momento dentro da sala de aulas, a professora, de farda cinzenta, sem maquilhagem e traços rudes, que quase se confundia com um homem, disse-nos:
- Se tendes sonhos, é melhor secá-los. Ides ser todos iguais.
Durante os anos foi-nos ensinada a imoralidade da individualidade, de ter sonhos e de alcançá-los. Impuseram-nos uma felicidade baseada no medo do sucesso (fosse material ou não).
Apesar do meu sonho de menino, aquelas primeiras palavras de há sessenta anos atrás foram um consolo! Como fiquei com medo de ser bem-sucedido, deram-me a mim e aos outros naquela escola, o conforto da mediocridade.
Nunca ninguém se destacou, nem o que estudava, e tirava boas notas, nem os calaceiros (aquilo em que me tornei), com as suas notas suf -.
Não havia mais bonitos e mais arranjados, o pentiadinho tinha o mesmo sem brilho que aqueles que não tomavam banho.
Disse à minha mãe que não precisava de comprar mais perfume, nem pentes para me aprumar logo pela manhã! Por isso e com o passar do tempo, de mais bonito, passei a ser mais um, que namorou com mais uma…e deixámos de ter nome e uma imagem, mas deram-nos uma farda e ficámos todos iguais. Com dificuldade distinguia a rapariga de quem gostava, quando estava junta com as amigas! Ainda hoje tenho dúvidas se a miúda a quem pedi em casamento e hoje é mãe dos meus cinco filhos é a rapariga de quem gostava! Mas também não faz mal, eram todas muito parecidas e interessantes da mesma maneira. As conversas que tinha com uma ou com outra ou até com outro eram todas iguais. Pensávamos o mesmo sobre os mesmos assuntos, tanto naquilo com que concordávamos, como naquilo que nos indignava ou aquilo a que simplesmente encolhíamos os ombros, tudo aprendido do mesmo manual e ensinado pela mesma professora! Não sei o que é discordar dos meus camaradas, denominação ensinada na escola, e nunca discuti com a minha mulher…apesar das dúvidas que ainda tenho sobre ela ser a certa!
Para matar saudades e tentar confirmar quem é aquela que tenho em casa, por vezes olho para uma fotografia de grupo tirada naquele tempo, salvo erro no quarto ano, todos simples, como se quer, apesar de um simplório destoar, o mesmo corte de cabelo, a mesma expressão zangada (aprendida nesse ano) e cinzenta (aprendemos a não sorrir no terceiro ano). Não distingo ninguém, aliás minto, vejo um de nós a esticar o pescoço, e aposto que é o Joaquim, que no seu íntimo nunca deixou de querer ser girafa…era um rebelde. Partilhávamos o mesmo quarto e durante a noite ele ousava sonhar com cores, quando, ainda no primeiro ano, aprendemos a sonhar entre o cinzento e o preto.

O que no início me assustou e depois me consolou, foi que o “MAIS” valia o mesmo que o “MENOS”!