sábado, 29 de dezembro de 2012

Em busca da adrenalina perdida!


Quando ouço falar em adrenalina, chego à conclusão que todos temos mais ou menos o mesmo entendimento da palavra, mas a maioria das pessoas age de forma completamente diferente da minha para a sentir. Essa emoção que nos faz levantar do chão…ou será isso paixão?
A adrenalina anda de mãos dadas com o imprevisto. É esta sensação de imprevisibilidade que nos estimula a adrenalina e nos provoca sensações de “um passo para o abismo”…ou será isso paixão?
E é nas acções para sentir adrenalina que me diferencio da maioria das pessoas e… de alguns animais, como aquele passarinho kamikaze, que na autoestrada fez voo rasante ao meu carro e morreu! Se o passarinho procurava adrenalina, o que lhe aconteceu não foi o “imprevisto”, mas sim o óbvio!
Ou como aquele caso há poucos anos atrás, em que numa noite de verão, três indivíduos, por causa de uma aposta, testam se o carro de um deles atinge os 200 km/h numa recta de fracas condições para a velocidade. A verdade é que o carro chegou aos 200, mas no fim da rceta não curvou nem para a direita, nem para a esquerda e enfaixou-se num muro de betão. Este desfecho não foi o “imprevisto”, condição para que haja adrenalina, mas sim o óbvio…infelizmente com consequências trágicas!
Ou como a Cristina, minha mulher, trava em cima do carro da frente dizendo-me: – Está tudo controlado, sente a emoção!
A verdade é que não senti emoção nenhuma quando o óbvio aconteceu por uma ou duas vezes e ela bateu no carro da frente!
Já para não falar da minha colega de trabalho, a quem por vezes recorro para efeitos de boleia, que faz sete coisas ao mesmo tempo enquanto conduz e com dificuldade aceito que esteja atenta à estrada. Sou o seu anjo da guarda com as minhas indicações, “pára”, “arranca”, “acelera”, “reduz”…ela chama-me de “chato” e atira-me à cara que aqueles são os meus momentos de adrenalina. Em silêncio penso – Se não fosse eu “espetavas-te todos os dias!”.
ADRENALINA, meus meninos e minhas meninas, é o que passo a descrever, um relato da minha viagem vertiginosa para o trabalho:
Ligo o carro e deixo-o aquecer, enquanto espero, coloco o cinto de segurança. Arranco e aproveito a recta que passa em frente a minha casa e chego aos 30 km/h, sou ultrapassado por um indivíduo que conduz feito louco. Um miúdo aproxima-se da passadeira e antecipadamente vou afrouxando, imobilizando o carro a um metro da passadeira, enquanto no outro sentido só ao terceiro carro é que pararam e o miúdo pôde atravessar a estrada.
Desemboco na estrada principal já com o pisca a indicar a minha mudança de sentido. Naquele cruzamento os carros viram nos vários sentidos sem darem o “pisca” e cheguei mesmo a pensar se esta sinalética estava proibida e eu ainda não sabia!
No momento certo arranco e estaciono um pouco mais à frente, com o “pisca” ligado (mas aqui já com muitas dúvidas se estava a proceder correctamente), em frente a uma pastelaria, para tomar o pequeno almoço.
Quando regresso ao carro, outro condutor tentava sair em marcha-atrás do parque de estacionamento, e indiferente ao trânsito ia metendo a “traseira” e provocou um acidente.
Entro no meu carro e só quando sinto liberdade suficiente faço-me à estrada. A minha viagem decorria a uns aceitáveis 40 km/h, ainda dentro da Trofa, dou “pisca”, reduzo para segunda, e com uma perpendicular perfeita, curvo à esquerda, merecendo aplausos dos miúdos que iam para o Ciclo! Entusiasmado, arranco a uns estonteantes e sonolentos 27 Km/h, travando logo à frente, porque os pais dos miúdos têm os carros mal estacionados e “lançam-nos” para a estrada, provocando, não adrenalina, mas as condições óbvias para um atropelamento!
Depois de passar a zona do Ciclo, ousei desviar o olhar da estrada por momentos e liguei o rádio. Um pouco mais à frente, novo “pisca” e estaciono para ir trabalhar!

Meus caros(as), adrenalina é cumprir as regras de segurança e mesmo assim o imprevisto aparecer, porque andar deslocado delas e o acidente acontecer, isso é o óbvio.
O pináculo da adrenalina é ser sportinguista e o meu Sporting, ainda este ano, ser campeão!

Eu vivo no “fio da navalha”! 

domingo, 23 de dezembro de 2012

Fim do Mundo.


Nos últimos dias falou-se tanto no fim do mundo, que eu próprio, pouco ligado a profecias e a ditos sem fundamento, cheguei a acreditar!
Eram as notícias dos jornais e telejornais que falavam do “Fim do Mundo” de forma ambivalente. Por um lado apresentavam o dito como uma profecia, mas por outro como sendo um cálculo com as bases científicas conhecidas há séculos atrás por essa civilização impressionante, os Maias, deixando espaço à dúvida!
Trazemos às costas a carga cultural de um povo que há poucas décadas era pouco ou nada instruído e que assistia a missas em latim. O obscurantismo e o medo eram dominantes, abrindo espaço amplo para o duvidoso e tomando-o como certo, sem sentido crítico.
Nos nossos dias, as notícias pouco claras ainda levantam receio. Ouvi algumas pessoas afirmarem com certeza – O fim do mundo…Tretas! – mas depois terminavam a sua dissertação com um – E se for?!
Quando foi transmitido um programa no “National Geographic” sobre o Fim do Mundo e como algumas pessoas se preparavam para o mesmo, entrei em choque. Nesse momento convenci-me que ia mesmo acontecer! O que eu recusei, deixei de fazer, deixei de dizer…mas nem tudo é mau, como é o Fim, posso ser excêntrico sem me ter saído o euromilhões!
O tempo escasseava, o Fim do Mundo era já no dia 21/12. Sem perder tempo telefonei para um portista, bom amigo, com quem tinha discutido por ele ter dito que o Sporting até jogava bem!
- Trim, trim,…
- Estou sim?! – pergunta o amigo portista.
- Sou eu! Desculpa ter discutido contigo por causa do Sporting!
- Deixa lá, já passou! Agora concordas que o teu Sporting até joga benzinho? – pergunta o amigo portista.
- Queres trocar? – respondo com outra pergunta.
O amigo portista desligou sem me responder! Chateado, enviei-lhe uma mensagem a dizer que nunca mais lhe falava! Marquei a minha posição a poucas horas do Fim do Mundo.

Estabeleci novo contacto. Liguei ao meu amigo Joaquim.
- Quim, amanhã vou jogar!
- Mas…mas tu já estás bom da tua rutura muscular?!
- Não! Mal consigo andar, mas amanhã vou! – respondo-lhe.
Há três semanas atrás, depois de fazer uma rutura na coxa num jogo de futebol, rasguei-me completamente no dia seguinte, noutro joguinho de bola! Fui obrigado a parar!
Mas não ia perder a oportunidade de praticar a atividade desportiva que mais gosto antes do mundo acabar!

Depois de conversar com o Quim, voltei-me para o discurso que tinha preparado para dissertar nessa noite, numa cerimónia de gala, onde estariam colegas de trabalho e administração, e troquei algumas palavras!
Nessa noite, as palavras trocadas pareciam tiros disparados em todas as direções. Houve muito murmurinho e nenhum aplauso. Nessa noite mais ninguém me falou, mas também não me preocupei porque no dia seguinte ia jogar à bola e no depois seria 21/12, o Fim do Mundo!

O dia 21/12 chegou. Iria passá-lo em casa, a lesão piorara no dia anterior aos trinta segundos de jogo e não me permitia uma locomoção independente! Não tinha importância, aproveitei para empanturrar tudo do que gosto até que o Fim chegasse!

Chegou a meia noite, já estamos no dia 22/12, o Fim do Mundo não chegou e sinto a barriga a rebentar!
Devido a medos e crenças, o que acabou foi o meu mundinho, zanguei-me com um amigo, piorei a minha lesão, segunda-feira vou ser despedido e estou prestes a ter uma congestão!

Gostei de vos conhecer!

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Relação a dois!


Na vida das pessoas há coisas que nunca mudam, o clube de futebol é um desses exemplos, mesmo para quem é sportinguista…como eu! Quero crer que os amigos também não. Se dois ou três deles fossem peças de roupa, nunca as mudava, a não ser para as lavar! Um seria a camisa, outro as calças e outro talvez as peúgas…mas nenhum seria as truses. Seriam sempre peças coladas ao corpo e nenhum seria um casaco, isso seria um conhecido!
A famíla, essa não muda! No meu caso ainda bem…este é o meu totobola!
Mas algo que vai mudando na nossa vida até à eleição final, é a nossa companheira…eleição dela, não se iludam!
E esta relação a dois, desde o momento zero até ao fim, vai sofrendo estados de maturação, é algo dinâmico, como a passagem das estações do ano, e imprevisto como a chegada de um temporal numa tarde quente e aborrecida de Verão!
Estes estados de maturação são facilmente observáveis na savana do ser humano, no seu habitat mais natural, o Centro Comercial.
Os casalinhos que se relacionam há semanas, no máximo dois meses, colam-se como se o mundo acabasse dali a três horas. Aproveitam cada dez metros que andam para declarar a sua paixão e cada passo que dão para se lambusarem, atividade que obriga a uma limpeza constante do piso!
O estado mais caricato, é o daqueles casais que já passaram os dois meses de namoro, e já pensam em casar, mesmo estando um desempregado e o outro ainda a estudar e vivem na ilusão. Estes encontro-os facilmente no IKEA, ainda juntinhos, mas em vez de se lambusarem admiram com um sorriso, um quebra-nozes e sonham, “Vamos precisar de um assim!” Estes ainda têm a certeza absoluta de que vão ficar juntos para sempre!
Na prateleira ao lado, onde este casal admira o quebra-nozes, podemos encontrar a fêmea de outro casal, a observar um serviço de pratos, enquanto o macho, se inquieta e suspira, sem se distânciar muito da fêmea. Este estado de maturação é crucial na relação do casal. São jovens adultos com uma relação entre sete meses e um ano e meio, em que o macho já se atreve a levantar a voz e a comentar sobre outra rapariga…um jogo perigoso…para ele! É a altura em que o macho vive no fio da navalha e tenta tomar pulso na relação. É nesta fase que a relação acaba ou ardilosamente a fêmea faz o macho pensar que manda e a relação fica condenada a durar!
Eu pertenço a esta última classe, pensei que mandava! A fase seguinte do macho deste casal é um confronto gradual com a realidade, semelhante ao degelo, que pode demorar décadas em que nós, machos, nos apercebemos que pouco mandámos! Mas há vantagens!
No sábado passado, ao final da tarde, eu e minha senhora fomos ao Mar Shopping, ela queria ir ao IKEA. Este estado de maturação permite-nos que ela vá para o IKEA e eu me enfie na FNAC e mergulhe nos livros. Só há uma regra, o primeiro a sair da sua loja vai ter com o outro. Normalmente prefiro esperar pelo telefonema da Cristina e “banhar-me” o máximo de tempo possível nos livros!
Trimmmm, trimmmm. – atendo o telefone. É a Cristina a dizer que já saiu do IKEA…fui ter com ela.
- Vamos embora, isto está cheio de gente! – diz ela.
Adorei a ideia e reparei que o carrinho das compras vinha recheado.
Arrancámos em direção ao parque de estacionamento e dois metros à frente, diz ela: – Só vou a esta loja e venho já!
Estúpido, caio sempre na conversa de que vamos logo embora. Fiquei cá fora, agarrado ao carrinho de compras, a observar… e via casais de todas as espécies. Ainda é com encanto que observo o casal clássico, aqueles que estão juntos há mais de cinquenta anos, e passeiam distanciados vinte metros um do outro, ela atrás e ele á frente, com o pensamento, “A velha nunca mais morre!”
Começo a olhar para as outras montras e vejo homens no mesmo estado de maturação que eu, expressões fechadas e com olhares constantes para dentro das lojas a observar se a companheira já está na caixa para vir embora!
A Cristina sai da loja de decoração e diz-me para irmos embora. Com agrado apresso o passo e duas montras á frente ouço: - Só vou a esta loja, é rápido!
Estúpido, caí outra vez na conversa de que íamos embora. Fiquei novamente cá fora, agarrado ao carrinho de compras. Curiosamente vi os mesmo homens, parados como eu, mas em frente a montras diferentes.
Conclui que eu e esses homens pertencemos à classe de casais em que parecemos peças num tabuleiro de xadrez, somos movimentados de montra em montra! Olhava e via um peão, um cavalo, um bispo, uma torre e consolava-me pensar que era o rei do tabuleiro comandado pela minha rainha!

sábado, 8 de dezembro de 2012

Hoje não há texto.


Pois é amigos e amigas, esta semana não escrevi nenhum texto, mas não por ter perdido a vontade de escrever ou o entusiasmo por publicar no blogue. A razão é simples, ando entusiasmado com o lançamento do meu livro, que já aconteceu, mas não desocupa quase todo o espaço do meu pensamento. A primeira vez que me senti assim, foi aos doze anos, quando fui prestar provas aos iniciados do Trofense, e depois de um treino com um desempenho mais ou menos, o treinador pede para no próximo treino levar o B. I. e duas fotografias…senti que iria ser um grande jogador…e a minha mãe também!
A intensidade do entusiasmo que neste momento estou a viver é igual, mas não julgo que venha a ser um grande escritor…apesar de a minha mãe ter achado imensa piada ao livro sem o ter lido! Agora que o começou a ler, acha ainda mais…deve pensar que estou lançado!
Com o passar dos anos nunca perdi o entusiasmo naquilo que gosto de fazer, mas as expetativas tornaram-se mais realistas e a esperança e orgulho da minha mãe em mim continuam sem esmorecer!

Nestes ultímos dias tenho usado e abusado do Facebook para divulgação do meu livro e qualquer conversa serve para promover “Venceslau e outras histórias”.
Ontem, da parte da manhã, um colega, tristonho, comenta – “ O meu cão partiu a patinha!”. Eu, sem perder a oportunidade, tento animá-lo, perguntando-lhe - “Já compraste o meu livro?”
Da parte da tarde, já no ginásio, um amigo, revoltado, comenta que tem de gastar 500€ no conserto do carro, e eu, tentando mostrar que também há coisas agradáveis na vida, pergunto-lhe, - “Já que falas em gastar, já compraste o meu livro?”.
Eu nunca fui à tropa, mas infelizmente tive bons amigos que lá andaram. Agora comparo-me a esses amigos, que quando chegavam à terra no fim-de-semana, só falavam no “raio” da tropa e tudo era pretexto para falarem dela!

Como ainda não terminei esta minha “recruta”, já penso nas próximas ações para divulgação do livro, usando as tecnologias ao dispor em proveito próprio. Sinto-me um Murdoch ou um Berlusconi, controladores dos media dos seu países, com a única diferença de que não sou rico e relativamente ao Sr. Berlusconi, não me relaciono com raparigas quarenta anos mais novas. Não quer isto dizer que quando tiver mais de sessenta anos, esta ideia não me passe pela cabeça, mas de momento, cientificamente é impossivel, devido aos meus trinta e oito!

O livro “Venceslau e outras histórias” é constituído por três histórias, a primeira, “Venceslau Júnor”; a segunda, “Zé Musgo” e a terceira “Eça Opes” e muitas mais personagens que interagem com as personagens principais!
Há pouco tempo um amigo conhecedor das histórias comentou que ler este livro é como ir na auto estrada a 120 km e de repente meter marcha atrás! Parece estúpido? Parece! Mas mergulhando no livro, entramos num mundo em que “meter a marcha atrás” faz sentido.
Eis o início das três histórias:   

“Venceslau Júnior sempre que se deitava na cama
tinha um sonho ambicioso. Desejava um dia ser ladrão
de primeira, já que até agora limitava-se a ser ladrão de
segunda. Assaltava carros estacionados em segunda fila
no cais da ribeira. Não foi para isto que Venceslau Roma
educou Venceslau Júnior.
Venceslau Roma tinha sido um ladrão de primeira na
Foz, onde roubava carros legalmente estacionados em
primeira fila e com ticket de parquímetro,
por essa razão achava que por actuar sobre a legalidade, roubava legalmente!
Venceslau Roma nunca conheceu seus pais, era um
“self made man”, que ambicionava o melhor para o seu
filho Venceslau Júnior, mesmo que as probabilidades de o
filho ser seu, fossem escassas.
Certa tarde de primavera, durante um assalto a um
Renault 5 GT Turbo, Venceslau Roma deslocou o pulso,
quando estroncava a porta do carro. Dada a gravidade
deste acidente de trabalho, Venceslau Roma viu-se obrigado
a deslocar-se ao centro de saúde de Miragaia, onde
lhe foi aconselhado repouso absoluto, e não falar, durante
dois dias. Chegado a casa, Venceslau Roma deitou-se e só
mexeu os olhinhos durante o tempo de repouso aconselhado.
Num determinado momento do repouso, uma
desconhecida entrou em casa com um miúdo estranho pela
mão e diz – este é o nosso filho, tem oito anos. Agora toma
conta dele até aos dezasseis, depois venho buscá-lo e fico
com ele até aos vinte e quatro. – e foi-se!”


“Zé Musgo é fino como um rato, literalmente. Cara
fina e longa, nariz comprido e pontiagudo, orelhas grandes,
mas muito burro e é contemporâneo de Venceslau Júnior.
Apesar do declínio latente da família, Zé Musgo era
vaidoso, pelo nome que carregava e tinha um enorme
fascínio pela fama. Enquanto o seu amigo Venceslau Júnior
tentava fazer assaltos de segunda, Zé Musgo já fazia
tentativas sérias para ficar famoso e tentar que o seu nome
ficasse gravado nas páginas da história!
A sua primeira tentativa foi andar a mais longa
distância possível, nas águas do rio Douro. Zé Musgo
sabia que tinha havido uma tentativa, devidamente alcançada,
há mais ou menos dois mil anos, registada num livro
não oficial de recordes. Zé tinha a certeza, de que se houve
um gajo que já fez isto, ele também conseguiria!
Todo o processo de candidatura é tratado e chega o
grande dia. Primeiro domingo de Agosto, céu limpo e o rio
está flat. A zona ribeirinha de Miragaia está apinhada de
gente. Numa mesa junto ao rio, os quatro membros pertencentes
ao júri internacional do “Guinness Book of
Records”, um Nepalês, que pedia na rua onde mora Zé
Musgo, uma Brasileira, prostituta em Paranhos, um Chinês,
que pretendia abrir um armazém em Miragaia e um
Americano, artista de stand up comedy, de nome George
Bush.”

“Eça subiu a pulso na vida. Foi abandonado pelos
bisavós paternos, depois de ter sido abandonado pelos avós
paternos e primeiramente pelo pai, depois de este ser abandonado
pela mãe!
Aos catorze anos vivia sozinho debaixo do tabuleiro
da ponte D. Luís. Pensou em ter um cão vadio para lhe
fazer companhia, mas com receio de ser abandonado desistiu
da ideia. Aos dezoito já sabia contar até 5 e aos vinte e
dois vivia no alto da escarpa dos Guindais. era uma
caminhada em direcção ao céu.
Eça era na realidade Leça, mas apresentava-se sempre
como Eça, porque tinha um problema de fala e não conseguia
dizer os L’s. Sempre que lhe perguntavam o nome,
ele respondia – Eça, Eça Opes. – Eça vivia num barraco
T0, com meio tecto, uma televisão pequena com antena
interior, e sonhava ter uma parabólica, para apanhar canais
de Wrestling e de filmes porcos. Uma terça-feira, ao ver o
Telejornal, ouviu falar em congelamento de salários, e com
apalermada perspicácia, associou ao documentário que
tinha visto pela manhã em que falaram na era glaciar, logo
deduziu: Vem aí outra. Nessa noite, Eça põe 15 € de lado,
para na manhã seguinte ir comprar um cobertor e se
sobrasse algum ia tomar café a uma esplanada.
Eça acorda e liga a televisão para lhe fazer companhia
enquanto se prepara para sair. No momento em que aperta
o primeiro dos três botões que ainda sobram na camisa,
Eça depara-se em frente à televisão, porque estava a
começar o Boletim Meteorológico! – Para hoje e o resto
da semana, vamos ter sol e aumento da temperatura… –
eis o que Eça ouve.
Sentiu-se desnorteado. No dia anterior tinha ouvido
falar, na televisão, em congelamentos e hoje ouve falar
em sol e aumento de temperatura!
– A televisão está avariada! – Pensou. Em pensamentos,
conseguia dizer os L’s.”

Se tiveram pachorra para chegar até aqui, obrigado! Para a semana voltam os textos!